Revista da ESPM - SETEMBRO_OUTUBRO-2010
R E V I S T A D A E S P M – setembro / outubro de 2010 30 ram Igreja de Estado. Graças ao filósofo inglês John Locke (1632-1704) e outros tantos, o Estado se tornou laico e, por ser laico, assegurou o direito de cada cidadão eleger livremente sua própria fé. A liberdade religiosa só existe porque o Estadoé laico.Desdequea sociedadeganhouessa clareza, “Igrejas” e “Estados” – na democracia, bem entendido – existem em terrenos distintos. E foi exatamente desses terrenos diferentes que surgiu a comparação como lado editorial e o lado comercial da empresa jornalística. Como dizíamos, a metáfora nos trouxe um pro- blema. Um problema de excesso de moralismo. Um problema que “não é nada bom para a nossa matéria”, comoseouviaemcertasmadrugadasna redação daquela revista semanal. Quando cha- mamos um departamento de “Igreja” e outro de “Estado”, pormenos que acalentemos uma sanha acusatória,ficanoaraimpressãodeque,noladoda “Igreja”, supomos nãohaver pecados e, do ladodo “Estado”, nãoexistiriachancealgumadesalvação. É claro, é evidente, é clamoroso que omundo não é assim. Não é preciso ter notícias de nenhum escândalodepedofiliapraticadadentrodosdomí- niosregularesdoVaticanoparasaberqueomundo não é assim. Os jornalistas da “Igreja” não eram exatamentesantos.Desdeos temposdograndioso World, de Joseph Pulitzer, gostavammesmo é de mundo cão. Esgueiravam-se como ratos no meio do lixo para criar as bases do que depois entraria paraahistória comoo yellowjournalism (“jornalis- momarrom”).Nos órgãos de imprensa, a “Igreja” nunca foi, jamais, uma sacristia de castos. Quanto ao “Estado”, de sua parte, até que tinha alguma compostura, aqui e ali. Não obstante, a gente viu, em mais de uma oca- sião, um subeditor obscuro caminhando rumo à lanchonetecomaresdecardeal,levantandoonariz para diretores de publicidade, essa “escória”. Por essaseoutras,aanalogiade“Igreja/Estado”gerou, na culturadomercadoeditorial, uma considerável antipatia – muitas vezes, justificada. O que não importa muito (só um pouquinho). O método “Igreja/Estado” não surgiu para angariar simpatia, assim como não surgiu com propósitos de catequese. Ele não foi inventado para aplacar incômodosmatutinosdeconsciênciasacabrunha- das. Nada disso. Ele só virou o padrão que virou porque dá lucro. Ele gera riqueza, ele funciona, apenas isso. As empresas que o adotaram alcan- çarammais sucesso que as outras. Essedadoé indispensável paraquesepossadesar- mar a interpretação moralista, que introduz uma esquizofrenia autofágica na vida das empresas. Ninguémteriade ser gêniopara saber quea lógica que conduziu à separação da empresa em duas áreas, a comercial e a editorial, tem seu alicerce numa racionalidade administrativa elementar. É apenas uma questão de foco. Um repórter preocupado em vender anúncio perde a clareza sobre o seu próprio papel, não vai vender anúncio nenhum, sem contar o fato de que vai poluir e re- baixar os padrões do protocolo pelo qual as estru- turas eficientes vendem espaços publicitários. Do mesmo modo, um contato publicitário querendo interferir na condução de uma reportagem só faz ruído na redação. Falando francamente, pouca coisa aborrece mais um jornalista. Foi por fome de dinheiro – e não por um surto inexplicável de caridade – que os bons empresá- A analogia entre “Igreja/ Estado” gerou, na cultura domercadoeditorial,uma considerável antipatia – muitas vezes, justificada.
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