Revista da ESPM - SETEMBRO_OUTUBRO-2010

R E V I S T A D A E S P M – setembro / outubro de 2010 44 ENTREVISTA } Uma lei sozinha não é capaz de mudar uma sociedade, que precisa adquirir o hábito e a cultura de considerar a transparência como um bom valor. ~ ES PM FERNANDO – Tem um caso que ocorreu há uns três anos, que foi um pedido ao Ministério das Relações Exteriores para ter acesso completo e irrestrito a dados refe- rentes à Guerra do Paraguai e à demarcação de fronteiras do Brasil com seus vizinhos latino-americanos. Em um desses casos, a resposta foi que os documentos estavam passando por um processo de restauração e era impossível conceder acesso. Seis me- ses depois o pedido foi feito novamente e eles continuavam em estudo. Enfim, essas medidas protelatórias foram apresentadas sucessivamente e nunca tive acesso a esses dados. Aliás, os dois bolsões de resistência dentro do Governo Federal, a respeito de uma lei ampla de direito de acesso a infor- mações públicas, são o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores. Com a ressalva de que tanto no Itamaraty quanto no Ministério da Defesa tem quem defenda abrir tudo. Mas, por enquanto, prevalece a noção de que alguns documentos devem, sim, ficar em sigilo para sempre. Eles de- fendem isso abertamente. Tanto é que esse dispositivo veio incluído no Projeto de Lei que tramita no Congresso. Na Câmara, ele foi derrubado. Agora, tanto a Defesa quanto o Itamaraty lutam para que seja restabeleci- do esse dispositivo no Senado, permitindo sigilo eterno para alguns documentos. EUGÊNIO – Você citou que, no caso dos cartões corporativos de uso do gover- no, pode haver alguma informação que seja razoável manter em sigilo por determinando período, mas não indefinidamente. No caso da Guerra do Paraguai, pode existir alguma razão para que esses dados não sejam reve- lados de uma vez por todas? FERNANDO – Não existe um argumento que sustente que algo com mais de um século precise continuar em sig ilo. Por pior que sejam as atrocidades cometidas, não faz sentido manter sigilo. É um crime de lesa-história que se faz a respeito desse tema. Dentro do Itamaraty e da Defesa há quem negue que existam ainda documentos secretos. Alguns historiadores me manda- ram cartas dizendo que estou errado. Para o bem ou para o mal tenho fontes aqui em Brasília que afirmam existir documentos secretos e eu confio nessas fontes. Nos Estados Unidos, o morticínio que alguns generais cometeram na Conquista do Oeste e de parte do México, que transformou os Estados Unidos, é todo conhecido e nem por isso o México vai querer entrar em guerra novamente. Mas faz parte da his- tória e eles têm o direito de conhecer. Lá, eles sabem como foi a forma pela qual os Estados Unidos conquistaram um território gigantesco que um dia foi do México. Aqui, no Brasil, tem esse episódio do Paraguai e não sabemos ainda com toda a exatidão a forma como se deu a Guerra do Paraguai, entre outros episódios da história. EUGÊNIO – Fernando, obrigado. Foi uma aula! FERNANDO – O prazer foi meu.

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