Revista da ESPM_JAN-FEV-2012

s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 1 – R e v i s t a d a E S P M 41 S o f i a E s t e v e s ‘ obter milagres. Os neopentecostais tomaram da igreja a bandeira do milagre, que era uma exclusividade católica e popularizaram essa atividade. Agora, para obter um milagre não preciso mais ir à Basílica de Aparecida. Vou na igreja da esquina e o pastor, intermediário en- tre o ser humano e Deus, faz omilagre, que tem um impacto extraordinário quando é associado à comunicação. Mas não basta fazer o milagre, é preciso anunciá-lo. Esse é um fenômeno que outras tradições não perceberam. As igrejas pentecostais começaram comprando as antigas Rádios AM, que eram mais baratas e pouco ouvidas, mas direcionadas ao público que elas queriam atingir. Sem comunicação não teríamos igreja pentecostal. Essa ferramenta foi fundamental para a sua expansão. Hoje, toda igreja pentecostal tem um grande sistema de comunicação trabalhando junto com ela. MÁRIO – Esses milagres existem? Esse é um ponto central. Os milagres da igreja católica são raríssimos e precisam ser comprovados. Já em outras religiões, os milagres acontecem semanalmente. HERÓDOTO – Se você for à velha Basílica de Aparecida, verá a Sala dos Milagres. São pequenos milagres. Não é o milagre da transformação da água em vinho, mas o de uma pessoa que tinha muletas, passou a andar e deixou as muletas lá em Aparecida. É um milagre real porque envolve fé e as pessoas acreditam que o fato aconteceu. Na igreja pentecostal é a mesma coisa. Não estou falando de comprovação científica, como faz a igreja para canonizar um santo. Na igreja evangélica não tem santo, o pastor fala diretamente com Deus. Não existem intermediários. E esses pequenos milagres acontecem no momento em que a pessoa tem fé. Se ela acredita que aconteceu, não cabe a mim dizer o contrário, a não ser que estejamos discutindo um fenômeno cientí- fico. Como é um fenômeno religioso, não é passível de investigações científicas. GRACIOSO – Exatamente. As pessoas acreditam e os psicólogos diriam que muitas vezes o “milagre” ocorreu pela energia e força da própria pessoa que foi estimulada pela fé. Há mais um elemento que justifica o sucesso das igrejas neopentecostais. Ao contrário da igreja católica, que sempre acreditou no milagre, eles foram diretos ao afirmar a seus crentes que milagre tem preço e se você foi agraciado, deve pagar à igreja. HERÓDOTO – O protestantismo e o pentecos- talismo são fenômenos pós-capitalistas, a igreja católica é pré-capitalista. Eles nasce- ram dentro do capitalismo. O livro de Max Weber – A ética protestante e o espírito do capitalismo – é extraordinário para entender isso, pois explica que a religião adaptou-se. A reforma também é uma adaptação aos novos tempos, onde ter lucro não é peca- do, a concorrência faz parte do sistema e a acumulação não leva você para o inferno. O capitalismo desenvolveu-se mais nas re­ giões onde havia reforma, como a Alemanha Luterana, a Inglaterra e os Estados Unidos. O pentecostalismo é uma nova adaptação do sistema. Nessa relação capitalista, pagar pelo milagre é algo absolutamente normal. Se ganhei dez, porque não posso dar dois para o pastor que me ajudou com o Deus? GRACIOSO – Está certíssimo. HERÓDOTO – Sem essa visão, vamos cair mais nos efeitos e não nas transformações estruturais pelas quais a sociedade passou, permitindo a eles se desenvolverem. MÁRIO – As pessoas passam a ser reli- giosas ou espiritualizadas por quatro fatores: medo do futuro, da morte, da dor; assombro, que gera a espiritua- lidade; tradição familiar; e senso de comunidade. Nesse contexto, o pastor não faz o papel de um psicólogo amador, no bom sentido? Heródoto Barbeiro j a n e i r o / f e v e r e i 2 i

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