Revista da ESPM_JAN-FEV-2012

R e v i s t a d a E S P M – s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 1 46 GRACIOSO – Se eu fosse budista, seria Zen Budista. HERÓDOTO – Minha escola é zen budista, chama-se Soto Zen Shu – Seita Soto Zen. MÁRIO – Você é de descendência católica? HERÓDOTO – Sou. Meu pai não tinha religião, meu avô era agnóstico e eu fui parar no bu- dismo quando dei aula particular para uma senhora que só falava japonês e queria apren- der inglês. Olhei a casa, entrei numa grande sala e perguntei o que era aquilo a um amigo monge dessa comunidade. Ele respondeu que era uma sala de meditação chamada Zendo e que a imagem do magrinho de pé dourado era o Buda. Eu achava que o Buda era o gordo, sentado. Ele respondeu que eu não tinha a menor cultura, porque o gordo era um Deus do panteão japonês que se chama Jô Go. Per- guntei como funcionava e ele respondeu que se eu quisesse saber, fosse sábado na medi- tação. Fui para ver. A comunidade inteira de japoneses e só eu de brasileiro. Ele mandou que eu ficasse sentado olhando para a pare- de, durante uma hora de meditação. Quando perguntei o que ia meditar, ele respondeu que era problema meu. Fiquei ali olhando para a parede, a sala semi-iluminada com uma vela acesa. Observei que ele andava com um bas- tão enorme e de vez em quando batia com o bastão nas pessoas. GRACIOSO – Passei uma semana nummos- teiro budista perto de Nova York. Tínhamos de levantar às três emeia damanhã. Levei várias bordoadas na cabeça. HERÓDOTO – O que mais me intrigou foi que, terminada a meditação, perguntei ao Xingo, um supervisor japonês que estava lá, o que eu deveria ler. Ele respondeu: “Nada. O zen não se aprende por oralidade, só por intui- ção”. Como vou aprender uma coisa se não está escrita e ninguém me conta? E ele disse: “Só na meditação”. Voltei e nunca mais sai. MÁRIO – Então, você buscou o budismo como uma espécie de busca interior, alguma coisa que lhe preenchesse, um desafio ou um sentido? HERÓDOTO – Um desafio. Fui batizado e crismado na igreja católica, lia as missas em latim, cantava no coro da igreja de São Gonçalo, na Praça João Mendes. Fiz parte da comunidade católica dos italianos da Igreja Nossa Senhora da Paz na Baixada do Glicé- rio, onde nasci. Tinha um bom conhecimen- to do catolicismo. Depois virei ateu e passei a envolver-me em discussões e debates por leituras. Fui para o Centro Anarquista do Brás, virei anarquista e passei a ler todos os livros sobre ateísmo e combate à religião. Aí, passei a discutir religião, bobamente porque esse assunto não se discute. Até que tornei-me budista e parei de discutir a religião. MÁRIO – O budismo é uma resposta, é uma busca de sentidos como várias outras? HERÓDOTO – Para mim foi mais um desafio de ordem intelectual que não se transmite oralmente. É intuitivo, vem de dentro da pessoa. Para fazer uma comparação: imagine você não ter religião e, de repente, encontra São Tomaz de Aquino e ele lhe diz para ser católico. Pense como seria aprender cristia- nismo com São Tomás de Aquino ou Santo Agostinho. Eu entrei por essa porta. ‑Em vez de entrar pela porta de um catecismo budis- E N T R E V I S T A } Existe um descolamento no discurso do padre em relação aos f iéis, o que faz com que ele os perca. ~ j a n i r o / f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx