Revista da ESPM_JAN-FEV-2012

j a n e i r o / f e v e r e i r o d e 2 0 1 2 – R e v i s t a d a E S P M 57 era agricultor, Abel, pastor de ovelhas: o povo de Canaã era agricultor, os hebreus, pastores de ovelhas. A divindade hebraica prefere, portanto, o último, embora Caim fosse o mais velho. Na verdade, em todo o Livro do Gênese há uma preferência gritante pelos filhos mais jovens, e nãopelosmais velhos: ocasodeAbel contraCaim não é único, temos também o de Isaac contra Is- mael, Jacó contra Esaú e José contra Rúben. Não é preciso ir muito longe para encontrar outros exemplos. Nos primórdios da história encontra- remos, provavelmente, as origens dos conflitos entre os homens, o fascínio pelas guerras, e o instinto ganancioso. Foi recentemente descoberto um antigo texto cuneiforme sumério, de cerca de 2050 a.C. nar- rando a lendadeumadisputa entreumagricultor e um pastor de ovelhas... Lutavam pelos favores dadeusa Inanna, queprefere, obviamente, oagri- cultor, tomando-o como esposo. A continuação do texto contém o protesto do pastor de ovelhas: O agricultor em vez de mim, o agricultor, o que tem que eu não tenho...? Se ele me dá seu primeiro vinho de tâmaras, eu dou-lhe meu primeiro leite amarelo... Se ele me concede seu pão saboroso... Eu concedo-lhe meu melhor queijo... Melhor do que eu, o agricultor, o que ele tem que eu não tenho? A Deusa responde: O pastor de ovelhas que muito possui eu não des- posarei... Eu, a virgem, o agricultor desposarei: o agricultor, que faz as plantas crescerem em abun- dância, o agricultor, que faz os cereais crescerem em abundância... 6 Razão da rejeição ou aceitação ocidental a essa doutrina, ou talvez medo de compreendê-la, é da nossa ideia de religião, baseada no reconhecimentode um criador distinto de sua criatura . Lembremo-nos do caso FrankensteinemseudesafioaDeus em nome da ciência sobre a imortalidade do homem. Na Renascença, Maquiavel aconselha seu príncipe a ser temido em lugar de ser amado.Otemor já eraumelemento central dopoder e suautilização.Nesse período, os homens no poder agemde modo que o povo, essencialmente os camponeses, tenha medo . Symphorien CHAMPIER, médico e humanista escreve em 1510: “O senhor deve tirar prazer e delícia das coisas em que seus homens têm so- frimento e trabalho”. Seu papel é o de “manter terra, pois pelopavor que os homens dopovo têm dos cavaleiros eles trabalhame cultivamas terras por pavor emedo de seremdestruídos” 7 . Quanto aThomasMORE, que contestaa sociedadede seu tempo situando-se, contudo, em uma imaginá- ria “Utopia”, afirma que “a pobreza do povo é a defesa damonarquia[...]. A indigência e amiséria eliminam toda coragem, embrutecem as almas, acomodam-nas ao sofrimento e à escravidão e as oprimem a ponto de tirar-lhes toda a energia para sacudir o jugo”. 8 Da Antiguidade até os nossos dias, mas com ên- fase no tempo da Renascença, o discurso literário apoiado pela iconografia (retratos empé, estátuas equestres, gestos e drapeados gloriosos), exaltou a valentia individual dos heróis que governaram a sociedade. Eranecessárioque fossemassim, ouao menos apresentados sobessaperspectiva, afimde } Não há na ter ra cr i atura que se j a , nem de longe, tão ater radora como um homem verdade i ramente j usto. ~ MART I N, G eorges : “A G u err a dos T ronos ”. Namitologiagrega,Sísifo é condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo, só para vê-la rolar para baixo novamente.

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