Revista da ESPM_JAN-FEV-2012

R e v i s t a d a E S P M – j a n e i r o / f e v e r e i r o d e 2 0 1 2 76 Entretanto, essa relação lógica em nada de- penderia dos voláteis e instáveis desejos e vontades humanas (tão ao gosto de um certo humanisno pós-moderno), ao contrário, ela seria pura gratuidade do ser transcendental. Tratar-se-ia da oculta lógica de Deus, não da tagarela e niilista racionalidade humana. Espiritualidade para esse universo abraâmico seria a presença misteriosa e por vezes escondida (abscônditos), do transcendente atuando na vida humana através de breves fulgurações, feixes de luzes opacas e cálidas, iluminando a existência das criaturas para que elas recebessem, no final da peregrinação, o beijo de Deus. A realidade concreta do mundo estaria ima- nente nessas aparições misteriosas, pelas centelhas divinas e caberia ao homem sábio elevá-las à sua original morada sagrada. Em outras palavras, as sombras do mundo esconderiam, na aparente fragmentação da rea- lidade, uma luz totalizante que, no aqui e agora de cada evento, mostraria que omundo profano não é outra coisa que o reflexo do criador. O Baal Shem Tov disse mais de uma vez em seus acalorados discursos que Deus está nos de- talhes ... não nos grandes acontecimentos como festas nababescas ou ocasiões comemorativas grandiosas mas na singeleza e aparente sim- plicidade dos eventos prosaicos do dia-a-dia como um encontro inusual com um amigo há muito não visto ou o abrigo protetor diante de uma inesperada chuva de primavera... Israel Baal Schem Tov (mestre do santo nome), morreu em 1760. Cerca de 250 anos após a sua morte, depois das viscerais transformações no mundo ocidental, depois de o próprio hassidismo judaico ter sucumbido paulatina- mente frente à crescente institucionalização das religiões insurrectas, depois que o ceticis- mo erigiu-se como o modus operandi de uma civilização técnica e antimetafísica, teria ele ainda algo a nos dizer? Poderia a espiritualidade abraâmica nos oferecer algo de salutar nesses tempos de individualismo e hedonismo exacerbados? Durkheim, analisando o mundo moderno, temia profundamente o fenômeno social da anomia ( anomus ), ou seja, temia que as O termo “religiões abraâmicas” deve-se ao reconhecimento da figura mítica de Abraão, como um dos principais personagens na tradição espiritual das três maiores religiões da humanidade: o judaís- mo, o cristianismo e o islamismo, que possuem, como fundamento central,acrençamonoteístaemum Deus supremo. Termo cunhado por Émile Durkheim, “anomia” é um conceito que descreve uma sociedade doente, onde a causa patológica está ligada a intensas transformações na sociedade e, consequentemente, na falta de objetivos e na perda total de identidade dos indivíduos que a compõem. Nessa sociedade doente ou socie- dade “anomana”, há um brusco rompimento com valores tradicionais que estão fortemente ligados à concepção religiosa. Como tentativa em “curar” a sociedade da “anomia”, Durkheim discorre em sua obra sobre a necessidade de seestabelecerumasolidariedadeorgânicaentre os membros, por meio da divisão do trabalho e seu vínculo a um sistema de direitos e deveres, aliado à necessidade de coesão solidária.

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