Revista da ESPM_JAN-FEV-2012
j a n e i r o / f e v e r e i r o d e 2 0 1 2 – R e v i s t a d a E S P M 77 nossas complexas corporações (tão agnósticas como o capital que as celebra). E como os ensinamentos da tradição abraâmi- ca ainda repercutiriam no coração do trabalho moderno? Em três assertivas existenciais! Em primeiríssimo lugar, lembrando que, a despeito dos avanços tecnológicos e científicos, a criatura humana ainda não abandonou esse péssimo e antigo hábito de morrer; sempre! Em segundo lugar, porque, não obstante nossa presunção racional, a verdade équeninguém, em sã consciência, sabeondee comoseráa suamorte! E, finalmente, mas não menos importante, quem de nós não gostaria de terminar os seus dias sem dores físicas excruciantes nem culpas morais − essas praias frias da condi- ção humana −, quem não gostaria de morrer dormindo serenamente? Quem teria, em seu último suspiro, a coragem de virar o rosto diante do beijo de Deus ? EDUARDO OYAKAWA Estudou mística judaica e romantismo alemão na Kaufmännische Schulen d. Universitätsstadt Marburg. É professor de Sociologia da Religião no curso de Relações Internacionais da ESPM. ES PM O rabino Baal Shem Tov, em meados do século XVIII, configurou o “hassidismo” como uma disciplina de natureza religiosa, que beneficiou amplamente o povo judeu. Disseminando uma reestruturação extre- ma da sociedade judaica e reforçando o senso comunitário, com base no conceito de uma vivência mística do cotidiano, a doutrina hassídica se fundamenta no panenteísmo, segundo o qual, Deus é a essência de tudo o que existe. Em sua versão mais radical, afirma-se que nada existe, a não ser o Criador, e todo o resto não passa de mera ilusão. instituições modernas não conseguissem mais unir moralmente os seres humanos em veículos de solidariedade e coesão in- terpessoais. Entretanto, o sociólogo francês nos alertou que somente uma instituição − o trabalho − ainda seria capaz de recuperar a antiga solidariedade perdida. As modernas corporações são o coração do nosso mundo tecnológico. Elas abrigam mi- lhões de seres humanos que diariamente des- pendem energia, inteligência e principalmente profundos affectus em seus ofícios, em suas funções inerentes à divisão social do trabalho. Talvez os psicólogos organizacionais (com a exceção de Mary Jane Spink e seus seguidores), não tenham ainda se debruçado suficientemen- te sobre esse fenômeno microscópico de nossa polivalente estrutura sígnica e comportamental. Quantos de nós já experimentaram a sensação recompensadora de encontrar um amigo e trocar pequenas confidências na hora do café... conversas sobre as amenidades da vida, fute- bol, viagens, a última e deliciosa fofoca sobre o chefe... Definitivamente, Deus está nos detalhes ! Nesses pequenos encontros − como argumen- ta a sociologia do cotidiano francesa − en- contramos um halo de comunhão e aceitação personalíssimos, fabricamos afinal de contas saudades e transcendemos o fastio desper- sonalizante e repressivo que o produtivismo capitalista nos impõe. Mas caberia então falar de um Deus abscôn- dito irradiando sua luz misteriosa nesses mo- mentos de affectus tão grandemente pessoais quanto portadores de sentido existencial? Para as pessoas de sensibilidade religiosa, certamente. Para os céticos, de maneira al- guma! Esses momentos afetivos nada mais sugeririam que uma mera descontração permeando frugalmente o labor de nossas existências. Mas talvez a mensagem do Baal Shem Tov ainda possa ser ouvida mesmo em
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