Revista da ESPM JAN-FEV_2007
16 R E V I S T A D A E S P M – JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 Entrevista chamadas pelo governo atual de elites. Há um sentimento, por parte de alguns membros do nosso Conselho, de que por ser uma Escola de “elite”, receber jovens de famílias que podem pagar as mensalidades – mesmo praticando esses bons princípios que o Gracioso mencionou – esquecemos dos que não estão aqui, que não têm meios de chegar à nossa Escola, e que teríamos algum tipo de obrigação em relação a eles. E não é só nossa Escola; acho que, nopaís, qualquer instituiçãovai ter esse tipo de dúvida... GUSTAVO –Vocês têm algum tipo de bolsa? GRACIOSO –Temos. GUSTAVO – Então está respondido. A porta não é fechada para quem não pode pagar. Evidentemente que vocês não podem ser uma instituição beneficente. A porta de inclusão está aberta através de mecanismos como esse. Pode ser ampliado,mas, para isso, pressupõe-se a alta rentabilidade da Es- cola. É preciso ter a situação financeira sólida para que você possa se permitir ampliar. JR – Existe uma certa contradição, no sistema capitalista, para a ética pessoal ou sistemadevalores quevisemais adi- ante do lucro imediato. Nomundo dos negócios, ganha-se dinheiro cobrando mais caro ou cortando custos. Muitas vezes, a instituição se torna fria, calcu- lista. Por exemplo, ela poderá vender produtos de menor qualidade, demitir muitos funcionários porque precisa apresentar resultadosdecurtoprazoaos acionistas. Os jovens profissionais – e nossos alunos –questionammuito isso: como voupoder, dentrodessa empresa fria, objetiva e, às vezes, até desonesta, me realizar? Estaéumaquestãocomum nos nossos dias. GRACIOSO – Embora haja, cada vez mais, empresas imbuídas do sentido de cidadania – ainda que não seja a maioria. JR – Eu diria que você é otimista. GUSTAVO – Eu souotimista emdobro. Acho que estamos numa transição para uma etapa de civilização onde esse tipo de valor vai ser condição de sucesso. Hoje, há importadores de madeira, na Europa, que exigem uma certificação, daquela madeira, para comprovar as condições de manejo ambiental das quais elas se originaram; isto é um novo dado, mas é a ponta de um iceberg que está surgindo. A civilização está mudando e, nesta mudança, que estamos tateando, acho que já começamos a enxergar que o imediatismo, a visãode curtoprazo, os valores somente de rentabilidade nos negócios irão esvaziar as empresas que insistirem em continuar assim. Porque o ser humano está acordando para o fato de que – e isto é o nome de uma obra do Sr. KonosukaMatsushita – não vivemos apenas do pão. Uma obra inteira dedicada a explicar por que a Matsushita não buscava prioritari- amente o lucro. Ele não abria mão do lucro, mas não era a sua prioridade. A prioridade era ser útil aos seus consumidores. Para ser útil aos seus consumidores, como ele, era preciso melhorar os produtos cada vez mais, atendê-losmelhor e tornar-se cada vez mais útil. O Sr. Matsushita, em 1935, estabeleceu umplano estratégico para os próximos 250 anos da empresa! Ela não desapareceu até hoje; ao con- trário, cresceu. Ele dividiu este plano de 250 anos em etapas de 50. GRACIOSO – Lembro-me de ter lido, certa vez, um depoimento de um exe- cutivo japonês – em um discurso que fez emNovaYork – em que disse, com muita clareza, que os americanos e os ocidentais emgeral não sabemplanejar estrategicamente. Edissequeo japonês sabe, porque tem uma noção diferente do que é tempo, da relação entre o ontem, o hoje e o amanhã. Gostaria de que você comentasse isso, por que aperenidadeeas estratégiasde longevi- dade deveriam ser parte importante do trabalho do executivo ocidental tam- bém; e nós, no Brasil pelomenos, nem sempre nos demos bem? Por que tantas firmas, inclusive grandes, não chegam à idade adulta? GUSTAVO – É difícil responder a essa pergunta talvez porque existaminúme- ras causas diferentes para cada um dos infortúnios que faz a empresa encerrar as suas atividades. Acho que seria sim- plista daminha parte pretender só uma explicação para tantos fracassos. GRACIOSO – Mas, talvez focando esse aspectode planejamentode longo prazo. GUSTAVO – Esse ponto é, semdúvida, um dos componentes. Para pensarmos um futuro de 250 anos, por exemplo –comoaMatsushitasepropôsem1935 – e só cresceu de lá para cá, é preciso ter uma visão de valores que perdure intacta durante dois séculos e meio. E quando formos definir esses valores, veremos que, tal capacidade de perpe- tuação, sóencontramos emvalores que sejamfundamentais parao ser humano em qualquer época. No momento em que o Sr. Matsushita definiu “quere- mos existir para sermos úteis ao maior númeropossível depessoas”, este éum horizonte que pode perdurar 250 anos
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