Revista da ESPM JAN-FEV_2007

François Soulages 39 JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M uma racionalização. Para saber se ele é um escolhido por Deus, o crente deve se voltar, por um lado, para sua vida pessoal devidamente conduzida pelos mandamentos divinos. Por outro lado, ele deve empreender uma ação social que deve ser a mais eficaz possível, a fim de corresponder à suposta von- tade de Deus. É através da ação, da eficiência e dos resultados que o trabalhador responde à questão evangélica: “O que fizeste com teus talentos?” A glorificação do trabalho eficiente, bem feito e eficaz, social- mente, é sinal da eleição do sujeito, manifestação da glória de Deus e um meio de não ser tomado por uma angústia existencial devastadora frente à questão da salvação. Para o puritano, o condenável não é a aquisição de riquezas, mas sim seu gozo e o descanso obtido graças à posse. Por conseqüência, o puritano acumula um capital, que será uma das bases do capitalismo moderno. Além disso, a racionalização decor- rente do desencantamento governa o comportamento individual e coletivo dos sujeitos, principalmente no que se refere à condução de negócios e empresas, e com relação a dinheiro. Temos assim uma ra- cionalização da economia, que vai se expandindo pouco a pouco. É com a ética protestante que temos a popularização da noção de “re- torno sobre o investimento” que, por sua vez, é o motor do desen- volvimento social e econômico. O lucro é empregado para fins úteis e necessários. Surge uma nova or- dem social e, conseqüentemente, uma nova forma de se relacionar com o mundo e com a riqueza. 3. RELIGIÃO E EMPRESA: OS FUNDADORES A partir dessa análise de Weber, podemos começar a especular sobre as formas como uma empresa pode ser marcada por uma religião. Para tanto, estudaremos um caso em particular, o das empresas PSA, que fabricam os automóveis Peugeot e Citroën, e cujos maiores acionistas são da família Peugeot. A escolha foi feita por dois motivos em particular: a PSA é um grupo internacional antigo e bastante importante e, tam- bém, a família Peugeot é protestante, marcada por Lutero. A análise de Weber poderá nos ajudar a entender as origens e razões religiosas dessa empresa. A história da família Peugeot re- monta ao século XV, quando seus membros se dedicavam à agricul- tura. Há que se observar, não o e de viver muito parecidos. Suas máximas éticas são as mesmas. Weber não se refere aqui a ensina- mentos extraídos da teologia moral desses grupos religiosos, mas sim às motivações psicológicas geradas por suas crenças e práticas religio- sas. Não estamos tratando do saber transmitido nos textos, mas de há- bitos adquiridos através de rituais, tradições, práticas e crenças. Por isto seu enraizamento é mais profundo, mais múltiplo e mais estruturante. Os sujeitos são menos os agentes de tais hábitos do que os efeitos, pois o ethos determina suas crenças, seu comportamento, sua maneira de ser e de pensar, a ponto de se identificarem totalmente com ele, e não conseguirem se imaginar sepa- radamente. Eles acabam sendo mais religiosos do que sujeitos, fundando uma comunidade que se mantém unida, cujos comportamentos e ideologias são reproduzidos por seus filhos sem liberdade. Para os puritanos tudo se baseia numa concepção religiosa bastante simples: a predestinação. Deus resolveu que a este homem, e não àquele, seria dada a graça, a sorte está lançada. É, portanto, impossível influenciar a decisão divina, não restando ao crente senão a opção de se voltar à sua vida interior, sem ousar recorrer à ajuda de media- dores, dos sacramentos ou, menos ainda, da magia. Dessa forma, o mundo está desencantado, cedendo espaço para o desenvolvimento de

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