Revista da ESPM JAN-FEV_2007
François Soulages 43 JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M essa nossa crença, diz um gerente de fábrica. E nós reinvestimos na fábrica tudo que ganhamos, ao invés de gastarmos em besteiras.” A noção de esforço, o desejo de moralizar, a escolha pelo investi- mento, tudo isso explica o bom funcionamento da empresa e está baseado numa crença religiosa fundadora. Essa influência é tão forte, que muitos se referem a eles como os “calvinistas do Islã”. O pensamento do líder religioso da cidade é bastante lógico: “O Corão diz que é preciso trabalhar duro. O Profeta também era um comerciante. É preciso ser rico para poder ajudar aos outros.” Essa filosofia é bem clara: o objetivo de toda atividade humana é de ajudar aos outros. Ninguém pode criticar tal tese, tanto que nem o protestantismo ou o pietismo de Kant a teria negado. Temos então que o enriquecimento é o mais importante, porque quanto maior a riqueza, mais se pode doar e, em segundo lugar, vem o trabalho, a saber, a criação de uma empresa, sendo que o todo é certificado, não pela razão, como em Kant, mas pela autoridade da revelação: o Corão e o Profeta. Até o comércio internacional é justificado pela religião: “O Profeta diz que é preciso querer o bem do mundo inteiro, então nós via- jamos muito. Eu já visitei mais de 70 países, e amanhã parto para a Malásia”, afirma o responsável pelo sindicato patronal muçulmano. O referencial religioso não é o mesmo para a Peugeot e para Kay- seri. Para este, a religião funciona como discurso ideológico de le- gitimação das práticas empreen- dedoras, pode-se pensar que, se tal discurso é utilizado, é porque ele é efetivo sobre os diversos membros da empresa, dando sen- tido a suas práticas, exaltando-as, justificando-as e, até mesmo, para obrigá-los a trabalharem de acordo com regras às vezes difíceis. Sendo assim, um dos cinco pilares do Islamismo, o “zacat”, a caridade, desempenha um importante papel político-econômico, a ponto de as próprias empresas serem respon- sáveis pelo financiamento de esco- las, hospitais e estádios esportivos, substituindo o Estado. Em Kayseri, todos os trabalhadores são marcados pela ideologia re- ligiosa do trabalho. Eles não vivem todos da mesma maneira, mas, tendo em vista a força da religião, a empresa é gerida a partir da ótica que reúne trabalho e social. Às sex- tas-feiras, para a grande oração, é comum ver os trabalhadores indo à mesquita construída no centro das fábricas. A religião governa tudo e as empresas, nada. Concluindo, a empresa é influen- ciada menos pelo religioso do que pela religião, tanto faz se ela está na origem, ou inserida em suas atividades. Isso se explica pelo fato de que uma empresa é um grupo social fundamentado sobre valores inconscientes 4 , explícitos e implícitos, além de uma ideolo- gia. Em muitos casos esses valores podem ter uma relação direta ou indireta com uma religião. Conseqüentemente, no decorrer de um trabalho de consultoria, é necessário descobrir as origens religiosas para conhecê-las e, principalmente, para não deixar que funcionem como freios e barreiras. É necessário pensar o aspecto religioso de uma empresa para que ela seja eficiente e ino- vadora, e para que não funcione como uma seita, o que em médio prazo é catastrófico, porque, en- tão, ela não consegue se adaptar a mudanças. Mas, ainda que possa ser interes- sante contar-se com o aspecto re- ligioso nas bases de uma empresa, um método de gerenciamento baseado no direito divino pode ser muito perigoso, pois seria transfor- mar a empresa numa religião. Junto coma questão do religioso dentro da empresa, temos sempre a questão da administração concreta, da vida dos trabalhadores, vendas e qualidade dos produtos. E esse é um fator que umcon- sultor não pode deixar de lado... - FRANÇOIS SOULAGES Professor da Universidade Paris, 8 1. Max Weber, L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme, Trad. J. Chavy, Paris, Plon, 1964, p. 72. 2. François Soulages, Communications et entreprises, Paris, Argraphie, 1992. 3. In Le Monde, 21/12/06, p. 3 ; toutes les références relatives à cette ville sont extraites de cet article. 4. François Soulages, Image, inconscient et entreprise, Paris, Humanisme et entreprise, 2005. ES PM
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