Revista da ESPM JAN-FEV_2007
48 R E V I S T A D A E S P M – JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 Notas sobre religião e empresa no caso Odebrecht (Santa Catarina), junto com as pri- meiras levas de imigrantes alemães. Esta articulação é importante para a construção do mito empresarial, já que sabemos quais as significações presentes na constelação semân- tica que envolve o significante “alemão” no imaginário brasileiro. Contra uma sociedade, como a brasileira, que muitas vezes se viu como desfibrada, mergulhada no torpor tropical e avessa a uma certa dinâmica do trabalho marcada pela recusa ao consumo conspícuo, os “alemães” apareceram, em vários momentos, como sinônimo de uma disciplina estrita marcada pela lógica de dedicação a um trabalho vivenciado como vocação e afasta- mento daquilo que um dia Weber chamou de “gozo espontâneo da vida”. Certamente, contribuiu para isto o protestantismo alemão e suas figuras reformadoras. Esta dicotomia entre ethos protes- tante do trabalho e país que apren- deu a ver a si mesmo como terra do gozo tropical é um dado impor- tante em nosso quadro de análise. Principalmente no caso de uma empresa, como o grupo Odebrecht, que procura se afirmar como espaço próprio a um modo diferenciado de engajamento no trabalho. Faz parte dos elementos constitutivos da imagem corporativa da empresa o fato de ela ter 2% de rotatividade por ano (um índice de permanência idêntico àquele que encontramos em empresas públicas). Essa fideli- zação ao ambiente do emprego pode ser o resultado de uma política de divulgação de uma ética do tra- balho como vocação e missão que, em uma empresa cujo mito fundador guarda matizes religiosas, é mais fácil de ser veiculada. A este respeito, não deve ser negli- genciada a função desempenhada pela extensa produção bibliográ- fica do fundador da empresa, uma produção fundamentalmente vin- culada a livros sobre a cultura organizacional que vigora nas em- presas Odebrecht (cultura que se cristaliza em uma série de preceitos designados de TEO – Tecnologia Empresarial Odebrecht) e sobre o perfil motivacional necessário para incluir-se de maneira bem sucedida neste ambiente de trabalho. Não é difícil encontrar nesta produção termos que nos remetem neces- sariamente a um certo ambiente ético-religioso, como “humildade”, “virtude”, “ausência de vaidades”, “servir”, “vocação”, “crescimento” ( não apenas material, mas também espiritual) etc. São conhecidas na empresa histórias onde o fundador, já desde criança, assume posturas autônomas e humildes estranhas à estrutura extremamente hierarqui- zada e semi-escravagista da elite baiana. Lembrando que a empresa tem sua sede exatamente na Bahia, podemos imaginar como essas narrativas foram e são importantes para determinar sua personalidade organizacional. No entanto, algumas precisões devem ser feitas. Lembremos que, desde o fundador da empresa, os membros da família Odebrecht que fazem parte do corpo gerencial não professam a fé protestante. Nem há na empresa, como é relativa- mente comum em certas empresas norte-americanas, signos religiosos, Bíblias e grupos de orações. No entanto, o protestantismo continua presente como forte elemento cons- titutivo da imagem corporativa, a
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