Revista da ESPM JAN-FEV_2007

Vladmir Safatle 49 JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M começar pela veiculação dos vín- culos entre o fundador da empresa e um pastor protestante alemão que teria sido seu preceptor e personali- dade influente em sua formação. Em um livro de divulgação da figura de Norberto Odebrecht distribuído pela empresa podemos ler afirmações como: “Baseada no pensamento calvinista, a mesma disciplina prus- siana que impulsionou o capitalismo alemão no século XIX foi ensinada por Hertha Odebrecht a seus filhos e moldou o caráter de Norberto (...) A religião luterana, com seus valo- res de amor ao trabalho e retidão de caráter, marcou profundamente Emil – o patriarca da família – e seus descendentes” 1 . De qualquer forma, algumas metáforas são bastante ilustrati- vas. Por exemplo, no chamado Núcleo da Cultura Odebrecht, que a organização mantém em sua sede, há uma escultura natural de madeira que mostra o esforço de uma árvore para crescer entre fendas rochosas à beira do mar. Quem lembrar das parábolas do Cristo a respeito do semeador que joga sementes entre as pedras, na areia e em terra fértil talvez en- contre uma fonte para tal tipo de representação. A esse respeito, vale a pena lem- brar que valores religiosos ganham mais força quando são “seculariza- dos”, ou seja, quando deixam de estar imediatamente associados a quadros de crenças religiosas para aparecerem como disposições necessárias e quase óbvias do “bom” funcionamento social. Há uma longa história da maneira com que estruturas institucionais na moderni- dade vão adquirindo racionalidades próprias através da secularização de preceitos de funcionamento e de so- cialização em grupos religiosos. Os estudos de Weber são apenas uma parte disto (poderíamos acrescentar a este grupo os estudos de Foucault sobre a sociedade disciplinar). É claro que não podemos deduzir, diretamente, a extensão de todos os procedimentos racionais de uma empresa capitalista da secularização de valores e preceitos religiosos, mas esta é uma dimensão fundadora da racionalidade de tais instituições, assim como ela é uma dimensão fundadora da racionalidade de ou- tras formas de instituições como as políticas e as militares. Costumamos aceitar, sem questionar, a narra- tiva que vê a modernidade como o momento de ruptura com vínculos ético-religiosos através do “desen- cantamento do mundo” e da consti- tuição de procedimentos laicizados de justificação e racionalidade. Essa narrativa não é totalmente correta. Para finalizar, lembremos ainda que estamos em uma realidade contem- porânea de fim da sociedade do trabalho, isto devido à diminuição da oferta formal de emprego, ao desenvolvimento exponencial das novas tecnologias e à precariza- ção das dinâmicas e condições de empregabilidade. Os novos empre- gos são, em sua grande maioria, ligados ao desenvolvimento do setor terciário, setor onde encon- tramos mais empregos precários e volúveis. “Desde os anos 40”, nos lembra Clauss Offe“ é recorrente a hipótese genérica de que, a partir de certo grau de industrialização, a tendência de desenvolvimento da sociedade industrial se alteraria no sentido da expansão do setor terciário, e não mais do industrial”.

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