Revista da ESPM JAN-FEV_2007

60 R E V I S T A D A E S P M – JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 Entrevista terceiro, não aceita a proposta de fugir, visto que seus discípulos tinham-lhe preparado a fuga. Dizia ele que “tinha de respeitar as leis da cidade porque as leis da cidade representavamas leis de Deus”. Há, pois, nítida vinculação entre religião e ética. O que é impor- tante – isso parece fundamental – é que todo homem, necessariamente, tem uma religiosidade que aparece de alguma forma. Principalmente, os ateus e agnósticos; os ateus e os agnósticos, quando procuram eliminar o Criador, eles criam outros deuses para eles mesmos.A juventude alemã viveu, por exemplo, o Deus do Nazismo. Na prática, o homem tem tanta necessidade de símbolos que, ao eliminar seu Criador, substitui-o por outros. Os materialistas, inclusive, vivem em função de deuses por eles criados, ou seja, o poder, dinheiro, sexo, a vaidade etc. JR – Fala-se de alguémque não acredita em nada; mas não existirá, pelo menos, um pequeno espaço para os “ecumêni- cos”: aqueles que acreditam em tudo? IVES GANDRA – Na verdade, há para mim um outro dado, que é a espiritu- alidade. Eu, pessoalmente, sou católico, apostólico, romano – mas estou abso- lutamente convencido de que – nemde longe– solucionamos todososmistérios do universo. Nosso equipamento para percepção e concepção do universo é extremamente limitado. Utilizando a simplesrazão,eunãoconsigosaberqual é a minha origem, para onde vou, qual a razão do universo, por que o universo existe, como é que surgiu a vida etc. JR –Enemmesmo seaprópria razãoéa única forma de perceber as coisas... IVES GANDRA – Exatamente. Por exemplo, vamos falar sobre a intuição, que era uma das formas de conheci- mento de que trata o nosso Leonel Franca, quando fala do conhecimento pela fé. O dado que me parece im- portante é de que há, evidentemente, pelo menos um campo em que nós não temos ainda a capacidade de percepção através do racional. Eu, pessoalmente, parto do princípio de que a minha religião é boa para mim, mas que haverá, nas outras, conteúdos satisfatórios a outras culturas. Creio que o ecumenismo leva, necessari- amente, à salvação. O próprio movi- mento de que eu participo – o Opus Dei – foi o primeiro que obteve da Santa Sé o direito de receber, entre seus colaboradores, pessoas de outras religiões. Se os fins são os mesmos, por que não juntar esforços por obras boas? Considero muito significativo que cinco dos grandes pensadores do mundo foram contemporâneos, num espaço de, aproximadamente, 200 anos. Falo de Isaías, Confúcio, Buda, Pitágoras e Zaratrusta. Eles represen- tam as mentalidades persa, chinesa, hindu, grega e judia. Cada povodesses temcostumes, maneiras de ser, formas etc., bastante diversas. Mas têm uma base comum de pensamento, no que diz respeito à crença emDeus, ou aos valores de como é que o ser humano pode ser mais feliz considerando a sua vinculação com Deus. Confúcio era de um pragmatismo impressionante; Isaías de uma espiritualidade única; Zaratrusta um profeta, mas também um pensador fantástico; Pitágoras era ummatemático como diversos outros, mas era também espiritualidade, filó- sofo, criador, inclusive, de uma escola pré-socrática que foi até além dos próprios vinculados à “Trindade Áu- rea” entre os gregos. Por isso, quando você diz “eu acredito em tudo”, acho que, no fundo, todos somos obrigados a acreditar. Agora, você vai dizer: “Quando é que você tema convicção? Você acredita só pela fé ou pela fé e pela razão”? Veja os trabalhos do professor StephenHawking, de que eu gosto muito, tenho todos os livros e li todos. Ele foi – indiscutivelmente – um pioneiro em tornar popular algo que era herméticopara osmortais comuns. E é agnóstico, não acredita emDeus e diz que o universo, o big bang, estava demonstrando a inexistência deDeus. Mas qualquer judeu analfabeto sabe que foi assimque tudo começou. Que houve um Fiat Lux. E por que um big bang e não um Fiat Lux? O que você acha? Causoumuito impacto, há vinte, trinta anos, “a idéia de que a idade do universo poderia ser medida por um relógio dos quinze bilhões de anos”. “SE DEUS NÃO EXISTE, TUDO É PERMITIDO.”

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