Revista da ESPM JAN-FEV_2007
Ives Gandra 63 JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M que eram perseguidos, mas tinham sua profissão, que trabalhavam. O Vaticano perdeu todos os seus estados pontificiais, a Itália se unifica e a sua “função” passa a ser eminentemente espiritual; não a de administrar bens. Foi quando houve o Concílio Vati- cano. O Vaticano II decide que “um leigo é tão importante quanto um sacerdote, qualquer que seja sua atividade legítima”. Mas só em 1964 isso foi confirmado, e todos podem absolutamente conviver com essa maneira de ser. Entre os protestantes, a tentativa de vincular o sucesso de uma pessoa a ser agraciado por Deus era a visão calvinista, que deu a im- pressão de que as pessoas têm de ser bem-sucedidas... Mas, voltando ao problema da empresa: indiscutivel- mente – eu estou convencido – se o homemnão tiver algumas barreiras in- ternas, emmatéria de espiritualidade, e a ética como reflexo natural da vida humana – os negócios vão ficar como no romance de Dostoievski, Os irmãos Karamazov : “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Sem Deus, então, trata-se apenas de fazer o melhor negócio. Creio que a grande evolução foi quando se começou a perceber, coletivamente – ainda sem falar em religiosidade – que a ética é importante. Você pega, por exemplo, o capitalismo selvagem do século XIX, o Sherman Act, o Clayton Act – o poder de controlar a concor- rência, a própria natureza humana, que termina corrompendo governos, empresários etc. Mas hoje sinto, como professor, a preocupação que se tem com a formação de pessoas de outra natureza para as empresas. Estive recentemente nos Estados Unidos – tenho um filho que é professor resi- dente noMIT. Fui fazer umas palestras e depois fui visitar meu filho. Eles me levaram à Harvard Law School, e eu descobri que tinha trinta e oito livros na biblioteca de Harvard... Mas ninguémmais pode cursar a Business School de Harvard, sem fazer algum trabalho de voluntariado social. O cidadão que não tenha um perfil ético, que possa ser avaliado, é visto com muitas reservas, na contratação para um emprego. Cada vez mais, as empresas – em função da disponibi- lidade de conhecimento, de avanços tecnológicos, do conhecimento – pre- cisamestimular a lealdade, para que o sujeito não fique pulando de um lugar para o outro. Então, levam muito em consideração o perfil de respeitabi- lidade, o perfil ético da pessoa, para saber – ao entrar – que ele pode ser alguém em quem se vai investir, na medida emque vai progredir sabendo de que forma tem de se comportar. Sei que ainda estamos longe do ideal, em função da própria natureza humana, mas começa-se a perceber uma série de sinalizações, de natureza legislativa, global, de percepção dos grandes líderes de empresas de que há a necessidade de saber trabalhar o elemento humano – principalmente com valores, para poder confiar neles – namedida emque esses é que pode- rão dirigir. Esses escândalos recentes, nos Estados Unidos, foramescândalos pela supervalorização de executivos que, na verdade, tinhamapenas o seu projeto pessoal. JR – Perdoe-me interromper, mas não haverá uma inversão ao exigir de quem entra um comportamento ético/espiritual e – na prática – os decisores, os donos dos negócios é que “levariam os seus subordinados a pecar”, na ânsia pelo lucro diante do stress da pressão dos acionistas para a produção de resultados a curtíssimo prazo? IVES GANDRA – Acho que é um elemento complicador já que – de um lado – pretende-se lealdade, pretendem-se valores, confiabili- dade como o que existe na Máfia... Só que, na Máfia, se você deixar de ser leal você é morto e na empresa isso não deve acontecer. JR – Isso seria tema para uma outra entrevista, mas a Máfia não é, exatamente, um mau tipo de or- ganização... IVESGANDRA – Não – ao contrário – funciona. Mas, funciona nessa base. Há que se admitir a necessidade de competitividade, que pode ser muitas vezes agressiva, predatória. Há, contudo, instrumentos que fo- ram criados, gradativamente, pelos próprios legisladores do mundo inteiro a começar do Sherman Act. Se analisarmos, por exemplo, o século XIX em que houve o grande salto da economia americana, foi a era de capitalismo mais selvagem que já houve no mundo. Nem na Inglaterra, nem nos países europeus ocorreu algo tão violentamente destrutivo, muitas vezes com as “O CIDADÃO BEM-SUCEDIDO SERIA NA VIDA UM SUJEITO AGRACIADO POR DEUS.”
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