Revista da ESPM JAN-FEV_2007
Livia Barbosa 85 JANEIRO / FEVEREIRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M eficácia – como foi o caso da or- ganização Sokai Gakkai, na qual se entoavam cânticos em busca da boa fortuna – até um uso mais genérico e diluído emque os princípios daNE são metabolizados como instrumentos, tecnologias gerenciais que ajudam tanto no crescimento dos negócios como dos indivíduos. Este último caso tem sido o mais comum no Brasil. Entre nós eles encontram-se entranhados nas mais diferentes tecnologias gerenciais. Estas impactamem três diferentes níveis dis- tintos – individual, ambiental (ou seja, no ambiente de trabalho) e transforma- cional ( na transformação dos gerentes e da atividade de gerenciar). No âmbito individual procura-se desenvolver tudo o que é autêntico e expressivo nas pessoas. É atribuída uma grande importância ao que se de- nomina de espiritualidade psicológica. Experiências de harmonia, encontro, amor para consigo mesmo e com o outro, de healing e de se “tornar inteiro” são enfatizados. A espiritua- lidade interior é posta para trabalhar para conceder maior poder expressivo aos indivíduos, principalmente nas relações pessoais. Programas de “har- monização” do ambiente do trabalho, de atualização e sensibilização do eu são alguns dos locus privilegiados desta tendência, nos quais os diversos aspectos do ser humano são estimu- lados (como o espiritual, o físico e o emocional), a partir de diferentes metodologias – curativa, educacional e de expansão da criatividade, entre outras. Estas objetivam lidar com as barreiras íntimas das pessoas, possibil- itando o desabrochar dos potenciais individuais. O objetivo central é nos tornar a todos pessoas inteiras.A partir Livia Barbosa Doutora emAntropologia Social pelo PPGA/ UFRJ; mestre em Ciências Sociais pela Uni- versidade de Chicago/EUA; pesquisadora do CAEPM/ESPM e professora do Departamento de Antropologia das UFF. daí o crescimentopessoal é visto como umdesdobramento natural desta inte- gração e harmonização do eu. Na dimensão ambiental, tanto a di- mensão física como a processual do trabalho são focalizadas. O trabalho é visto como um ambiente de cresci- mento, que fornece a oportunidade das pessoas trabalharem a si mesmas e de cultivarem o que é ser humano. Se isto contribui para a produtividade, tanto melhor. Learning organization, Organizações criativas, Transforman- do o mundo do trabalho são alguns dos rótulos que sinalizam para estas transformações. Do ponto de vista físico dos escritórios e das empresas as modificações são empreendidas através da demolição de barreiras e estruturas físicas, hierárquicas e burocráticas, em suma alienantes, pela criação de espaços mais igualitá- rios, mais abertos e transparentes. Escritórios abertos, feng shui organiza- cional são algumas das tecnologias implementadas. No âmbito gerencial a atenção é concentrada no que significa ser um gerente na sociedade contemporânea e nas possibilidades que esta atividade proporciona para a transformação de si mesmo, do ambiente organiza- cional e dos resultados. Assim, o que é enfatizado são as novas habilidades e competências demandadas. Crea- tive Management, Self Development Managers, Líderes Inovadores entre outras tecnologias visam a dar conta desse processo transformacional. O impacto dos princípios da NE tem sido enorme para os negócios, as organizações e as pessoas. Primeiro eles fizeram um casamento perfeito com alguns dos princípios básicos do capitalismo como desempenho e responsabilidade individual. Segundo, ao mudarem o eixo de responsabi- lidade pelo desenvolvimento das pessoas da empresa para o indivíduo, permitiram que as organizações que- brassem os elos que as prendiam a seus funcionários semgrandes tensões de ordem política e ideológica ao mesmo tempo em que as relações de lealdade foram reescritas por ambos os lados. Terceiro, os princípios da NE abriram a possibilidade do estabe- lecimento de uma forte ideologia de permanentemudança e transformação que se adequou como uma luva à re- formulação produtiva do capitalismo contemporâneo. Quarto, esta ideo- logia de mudança abre espaços para uma atitude individual de permanente reflexão que permite reformulações pessoais constantes, mas, ao mesmo tempo, geram um grande stress pes- soal e organizacional. Quinto, mas não menos importante, esta cobrança por auto-conhecimento e reformu- lações constantes colocam os indi- víduos em uma permanente corrida por novas habilidades e expertises que assim que são adquiridas já existem outras novas para tomarem os seus lugares. E, por fim, fracassos e sucessos se tornam responsabilidade única de nossa capacidade de nos conectarmos com o nosso eu interior. Na ausência desta somos os únicos responsáveis e não existe nada que possa resguardar ou proteger a nossa auto-estima. Não é por acaso que a própria NE criou o seu próprio antídoto: a auto-ajuda. - ES PM
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx