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8 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 9 Genes, ideologia, política e jornalismo dilma rousseff e barack obama , como praticamente todos os políticos que exercemo poder emdemocracias no mundo, se sentem injustiçados pela imprensa, e de vez em quando saem atirando contra ela, especialmente em anos eleitorais, como é o de 2014 no Brasil e nos EUA. Entre as características em comum que os dois presi- dentes têm está o fato de eles serem os pioneiros de suas condições, ela de gênero e ele de etnia, no mais alto cargo público de suas nações. Por issomesmo, é provável que a autodefesa em relação a críticas seja mais aguçada que a de seus antecessores, é possível que se sintam alvo de preconceitos, por serem mulher e negro, e pode-se supor que pelo menos algu- mas das críticas que recebem sejam originadas por eles. No final de junho, Obama atirou pesadamente na imprensa por ela ser, em sua opinião, frívola, e não se ocupar dos problemas reais do povo. Dilma, por sua vez, na mesma época, concentrou seus ataques ao jornalismo por ele ter sido, segundo ela, catastrofista em relação à Copa do Mundo de futebol. Dilma, Obama e a torcida do Flamengo não gostam de ser criticados. E uma das principais funções da imprensa numa democracia é criticar os que governam. Por isso, a antipatia deles contra ela é inevitável. Alguns, no entanto, tendem a enxergar mal o poder do jornalismo e a retaliar commedidas que podem ser muito prejudiciais à sociedade. Amídia, emquestões político-eleitorais, émuitomenos poderosa do que o senso comum supõe, como tem com- provado sistematicamente a pesquisa acadêmica desde que Paul Lazarsfeld, nas eleições presidenciais americanas de 1940, 1944 e 1948, monitorou o comportamento elei- toral e de consumo de mídia dos cidadãos de uma típica cidade americana, Elmira, Nova York. tudo em dia carlos eduardo lins da silva Carolyn Kaster/AP o ex-presidente luiz Iná- cioLuladaSilva éoutropolí- tico que tempor hábito ata- car o jornalismo sempre que ele o critica ou desagrada. Por causa da cobertura da Visões de governo e oposição Mídia e poder É fácil em alguns países alguns poderosos que se irritamcomaimprensaconse- guemtervidamaisfáciledei- xamdesepreocuparcomela. O exemplo mais recente vemdoEgito, onde o regime de Abdel Fattah al-Sisi, atual presidente do país, Para Dilma, o jornalismo foi catastrofista em relação à copa Kevin Lamarque/Latinstock Ele concluiu que os meios de comunicação exerceram influência pequena oumesmo nula sobre a decisão de voto das pessoas que constituíam seu universo de pesquisa. Nos anos 1950, Lazarsfeld foi mais longe. Com novos estudos, passou a acreditar que as escolhas eleitorais “são relativamente imunes à argumentação direta” e “carac- terizam-se mais por fé do que por convicção, mais por desejo do que por cuidadosa previsão de consequências”. Milhares de estudos comprovaramposteriormente e até agora as descobertas de Lazarsfeld. Em2009, John Alford e John Hibbing publicaram na revista Science artigo em que tentamdemonstrar vínculos entre as inclinações polí- ticas das pessoas e seus genes, entre ideologia e biologia. Recente trabalho de professores das universidades de Chicago, Nova York e Tilburg, sob a liderança de Eugene Caruso, mostra que nossas crenças afetam não apenas o modo como avaliamos o mundo em termos de juízos de valor, mas tambémcomo percebemos concretamente pes- soas e coisas no ambiente. O estudo demonstrou que, diante de um jogo de três fotos de Obama, uma sem alteração e as outras acentu- ando ou atenuando o tom negro da sua pele, quem con- cordava com as posições políticas do presidente e tendia a votar nele achava que o verdadeiro Obama era o mais claro, e os que se opunham e iam votar no seu opositor o reconheciam como o mais escuro, em proporções esta- tisticamente significativas. Assim, ou por genes ou por cultura, os cidadãos dificil- mentemudamde atitude ideológica ou eleitoral por causa de qualquer eventual tipo de cobertura da política pela mídia. Mas quem é criticado tende a achar o contrário. E, se a pessoa tem muito poder e pouco senso, pode tentar se vingar com medidas que ferem a liberdade de expressão e a democracia. ■ que aplaudia revelações de abusos de seus antecessores feitas pela imprensa, conde- nou a dez anos de prisão jor- nalistas premiados da insus- peita emissora de TV Al Jazeera, sob acusação de ter vínculos com o terrorismo e de degradar a imagem do Egito no exterior. Sisi, como, antes dele, Saddam Hussein no Ira- que, Muammar al-Gaddafi naLíbia, e tantosoutrosdita- dores, em breve não preci- sarámais atacar a imprensa, pois ela já estará toda domi- nada no Egito. ■ Copa do Mundo, afirmou que a imprensa “não nas- ceu para ser partido de opo- sição”.Comonãoé incomum emsuas falas, Lula cometeu um erro factual. Na verdade, em muitos países, o Brasil entre eles, a imprensa nasceu exata- mente com o propósito de fazer oposição. No caso bra- sileiro, o primeiro jornal foi o Correio Braziliense , que lutava pela independência do Brasil e contra a monar- quia portuguesa. governo, passou a detestá-la por cumprir omesmopapel. Diferentemente de sua sucessora,Lula,tantoquando estava no Planalto quanto após tê-lo deixado, deu asas àqueles que, no seu entorno, tentam propor maneiras de coibir a liberdadede expres- são no país. ■ Lula, como muitos, acha bomque a imprensa seja de oposição quando ele está na oposição. O PT gos- tava da “mídia burguesa” e a municiava com informa- ções quando ela criticava e denunciava o governo de Fernando Henrique Car- doso. Mas, quando virou Obama acusou a imprensa de não se ocupar de questões reais do povo O Brasil está dando um show. Mas tem um problema aqui. A imprensa nacional errou bastante, digo isso sem nenhum ânimo belicoso (Dilma Rousseff ) Você não vê isto [ um encontro de cidadãos emMinneapolis ] na TV. Não é o que a imprensa comenta. Mas eu estou aqui para dizer que eu estou ouvindo (Barack Obama)

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