RJESPM 10

12 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 13 direto de columbia por david klatell a maioria das organizações jorna- lísticas já percebeu que seus leitores, ouvintes e telespectadores são muito mais do que meros recipientes pas- sivos de notícias, informação e opi- nião. Em redações do mundo todo, o jornalista hoje discute sua condição de interlocutor num “diálogo” com o público – do que se infere que o público também é um elemento atu- ante, receptivo e, volta e meia, con- dutor dessa conversa. O papel do público pode assumir várias formas. Pode ser o agente que clica em links para obter informa- ções e recursos adicionais. Pode pos- tar e compartilhar opiniões em redes sociais. Pode exercer o jornalismo- cidadão. Pode, no papel de usuário, produzir conteúdo. Pode gerar dados. E, claro, pode fazer comentários e opi- nar em fóruns de discussão. O desafio que muitos jornalistas e meios de comunicação tentam supe- rar é fazer o público tomar parte em cada atividade dessas sem que saiam de seu controle – e garantir, no pro- cesso, que geremalguma receita. Nesse quesito, o meio publicitário sempre esteve à frente de produtores de con- teúdo. É que, por definição, a publici- dade comercial e de varejo é conce- bida para fazer o consumidor “parti- cipar” – ou seja, tomar a decisão de comprar um produto. Normalmente, isso era feito comuma combinação de produção caprichada, pesquisa demo- gráfica e segmentação pesadas, patro- cínio de celebridades, calibragemcui- dadosa de preços e facilidade na com- pra do produto. Organizações jorna- lísticas, por sua vez, ainda estão ten- tando descobrir que abordagem, ou combinação de abordagens, surtiria efeito em seu caso. Na última década, o jornalismo pas- sou da simples inserção de links no texto (o que já era, e de certo modo continua sendo, controverso) para a inclusão de componentes interativos abertos a umclicar domouse, de links para redes sociais, blogs e podcasts, até chegar à visualização de dados e ao mapeamento interativo. Além disso, incorporou o crowdsourcing , o conteúdo gerado pelo usuário, o jor- nalismo-cidadão (sobretudo regis- tros em fotos e vídeos) e o desenvolvi- mento de equipes compostas de pro- fissionais e amadores para a coleta de dados (o Big Data). Mas o mais difí- cil é lidar com as seções de comentá- rios/discussão no site de veículos de comunicação. Curadoria de opiniões Comomuitos provedores de informa- ções sérias – incluindo organizações jornalísticas,Wikipedia, gruposde inte- resse público e de políticas públicas –, para sua grande consternação, acaba- ram descobrindo, a seção de comen- tários pode causar um belo estrago à reputação do site que a abriga, enfu- recer emvez de atrair consumidores e espantarpublicidade.Alémdisso, admi- nistrar, peneirar e editar essematerial sem torrar muito dinheiro e semcriar sérios dilemas éticos para o meio que o hospeda é extremamente difícil – para não dizer impossível. É sabido, por exemplo, que várias páginas dedis- cussão, em geral sobre temas polêmi- cos, como teoriasda conspiraçãoenvol- vendo o 11 de setembro (e outros epi- sódios), direito ao aborto e casamento entre pessoas domesmo sexo, política no OrienteMédio, etc., tiveramde ser “protegidas” de hackers, agressores e fanáticos. Muita opinião já foi vetada, mas o problema continua. A Wikipe- dia tema sorte de contar commilhares de editores voluntários que ajudam a policiar o site a custo mínimo. Quando Jeff Bezos – da Amazon – comprouo jornal TheWashingtonPost , a impressão geral foi que, embora pro- vavelmente tivesse uminteresse genu- íno no jornalismo impresso sério, o empresário queriamesmo era aplicar sua tarimba no marketing e na publi- cidade à concepção de estratégias para certas operações cruciais da empresa. Afinal, o império Amazon foi erguido sobre a mesmíssima participação do público que acabo de descrever: pes- quisa demográfica minuciosa, publi- cidade dirigida, um“chamado à ação” (a Amazon quer ver você comprando alguma coisa neste exato instante) e umproduto entregue de forma absur- damente fácil. E tudo isso sustentado por rios de dados e perfis de clientes que até o Google admira. Pois bem. Agora já sabemos qual foi uma das primeiras investidas de Bezos na área da participação do público do Washington Post : umvasto projeto de pesquisa e desenvolvimento em par- ceria com a New York Times Com- pany, aMozilla (criadora do navegador de código aberto Firefox) e a Knight Foundation. A ideia, ao que parece, é criar um sistema automatizado para a curadoria – e, portanto, o incentivo e a publicação – de comentários e opi- niões do público. No meio-tempo, o NewYork Times , por exemplo, seguirá como antiquado e ineficientemodelo de usar funcionários para a análise e a triagemde todo comentário, demodo a detectar problemas de tom, lingua- gem e infração da lei antes da publi- cação. Ou seja, nessa área, ao menos, a participação do público vem sendo inibida justamente quando a organi- zação jornalística mais precisa dela. Bezos sabe muito bem para quem trabalha: não é para uma coletividade genérica como “o público” ou um conceito genérico como a “opinião pública”. Nada disso. Suas empresas são feitas para identificar, atrair, ser- vir e conquistar a lealdade do cliente do varejo – o que é uma nova maneira de definir o consumidor de notícias. E muitos desses clientes, sobretudo em segmentos demográficos mais jovens, cresceram com – e estão totalmente habituados a – um grau de interati- vidade e envolvimento (por meio de redes sociais, games, comércio eletrô- nico ou outros serviços) com empre- sas e instituições. Para organizações jornalísticas como os dois jornais cita- dos acima, simplesmente não há alter- nativa: ou envolvem o cliente mais jovem, falando a língua da interativi- dade e da participação, ou o perdem para sempre. Incursões tecnológicascomo o pro- jeto da Mozilla – e muitas outras – ajudarão a salvar organizações jor- nalísticas? Minha resposta é “prova- velmente sim”. Afinal, essas técni- cas já foram testadas e comprovadas pelasmais colossais empresas de con- sumo emídia domundo: Google, Face- book, Amazon. Resta saber se Bezos e companhia conseguirão criar um novo ethos em organizações jorna- lísticas – um ethos inspirado nessas técnicas e numa filosofia de relacio- namento com o cliente importada da Amazon. É bomque consigam– pois, tirando isso, há poucas opções sobre o que fazer. ■ david klatell é responsável pela área de estudos internacionais da Columbia Journalism School. Auxiliou no desenvolvimento de emissoras de televisão e agências de notícias em Portugal, Suécia, Suíça e China. O único caminho para conquistar o público jovem é investir no diálogo e na participação Latinstock É hora de falar a língua da interatividade

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