RJESPM 10

14 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 15 ideias + críticas Ricardo Gandour como espaguete do pasquale enro- lado no garfo, Eugênio Bucci provoca: “Por que você não escreve sobre as coi- sas que o jornalismo não pode perder, se quiser ter um futuro?” E, coma voz, sublinha o quiser , num sentido condi- cional e tom receoso. Eugênio e eu conversamos bas- tante sobre isso. Temos os dois algo em comum: somos ao mesmo tempo muito otimistas emuito preocupados. Sou otimista porque vejo o jorna- lismo se confirmar, com o passar do tempo, como uma atividade essen- cial – não vou nem mais dizer para a sociedade e para a democracia, mas para a vida humana, correndo aqui o risco da presunção com que somos, por vezes, rotulados. Mas tenho estado, assim como o Eugênio, também preocupado. O futuro em dez lembranças Quem não quiser ficar refém do próprio presente (e parar no tempo) precisará de boa memória. Muito boa memória Devo acrescentar quemesmominha preocupação é contaminada pelomeu otimismo. Quero dizer: o jornalismo tem, sim, brilhante futuro, desde que – e aí volta o grifo – levemos para o futuro certas coisas na bagagem. Há uma interessante sensação ao viver nessa faixa dos 50 e pou- cos anos. O passado não está tão dis- tante, embora já seja umálbumnítido e com as páginas iniciais um pouqui- nho amareladas. Mas cérebro e corpo sinalizamvontade e força para pensar e caminhar em direção ao futuro. O pra trás e o pra frente parecem razo- avelmente simétricos. E isso numa geração que viveu o maior salto tec- nológico da história –meus filhos têm dificuldade de me imaginar escre- vendo numa Olivetti com três folhas de papel-carbono, ajustando com o estilete uma página no paste-up ou perfurando ummaço de cartões IBM. Esse estágio intermediário da vida traz certa sensação de poder, digamos, projetivo. Se conhecemos até aqui o gráfico das coisas, temos em tese a capacidade de arriscar aomenos para onde a curva aponta? No campo do jornalismo, essa sen- sação fica reforçada com a leitura da tese-pesquisa transformada em livro, com a qual o historiador inglês Peter Burke obteve em 2002 o título de doutor pela Universidade de Cam- bridge, no Reino Unido, e editada no Brasil em2004 pela Jorge Zahar Edi- tora sob o título Uma História Social da Mídia . Num trabalho exaustivo e minucioso, Burkemostra comclareza como se sucederamos ciclos de desen- volvimento do que hoje chamamos de mídia, desde a prensa de Gutenberg até a internet, e como certas essências se mantiveram ao longo da história. O que parece mudar, a partir de agora, é que os ciclos estão ficando muito mais curtos. As novidades duram menos. Certas redes sociais já são taxadas de velhas. O frenético ritmo tecnológico torna os early-adop- ters insaciáveis. Os ciclos cada vez mais curtos irão contribuir para confirmar ainda mais as essências, consolidando anossa con- vicção de que hámesmo umconjunto de coisas que nunca , com grifo, deve- riammudar? Ou tudo isso aqui émais um claro sintoma de que somos, na verdade, resistentes, e seremos rapi- damente ultrapassados? Fica essa dúvida, mas vale o desa- fio do espaguete: 1. Manter viva a atitude jornalística A atitude jornalística é aquela que nos impede de ficar satisfeitos com o que nos é mostrado. É a comichão típica do bom repórter. É o que nos faz ten- tar revelar o que está oculto – ou, mais importante ainda, o que quer ser ocul- tado. É o que nos faz sempre formu- lar uma pergunta a mais. É o que nos mantémpermanentemente insatisfei- tos. Tenho insistidonessa teclanos cur- sos para recém-formados. Essa carac- terística marcou décadas e gerações em sua escolha pela profissão. É pre- ciso transportá-la para os futuros pro- fissionais. E trabalhar para que a socie- dade – cidadãos, governos, empresas – a reconheça como uma disciplina e um atributo indispensável à transpa- rência e àquiloqueCarl Bernstein cha- mou de “busca da melhor versão pos- sível da verdade”. 2. Não perder a humildade Princípioantigo, revistoereiteradones- tes tempos emqueosmeiosdigitaisnos reforçama sensação de poder. Não há antessala de erro grave mais eficiente do que a arrogância. Esse é o princípio que nos estimula a ouvir, ouvir, olhar, ouvir, pensar antes de escrever, antes de postar, antes de a-postar, pergun- tar de novo, olhar de novo, pesquisar mais uma vez. Perseverança e paciên- cia complementam. 3. Aprimorar o método jornalís- tico, sempre, especialmente com as novas tecnologias O rápido aparecimento de novidades de acesso e processamento de dados, edição e interação propicia resulta- dos ultravelozes. Em segundos temos planilhas orçamentárias ou de assi- duidade de deputados convertidas em lides e tendências. Parece que o traba- lho acabou, quando ele apenas come- çou. A contribuição das novas ferra- mentas para a precisão, a profundi- dade, a checagem e o cruzamento de informações ainda é terreno a sermais bem explorado. reprodução Cena do filme de Robert Zemeckis De Volta para o Futuro , de 1985, com Michael J. Fox e Christopher Lloyd

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