RJESPM 10

22 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 23 acesso”, conta o jornalista de 36 anos. A tecnologia “não serve só para fazer belas tomadas aéreas; na cobertura do tufão, consegui chegar a lugares inacessíveis por terra”. Whyld, que normalmente trabalha para o jornal londrino The Daily Telegraph , vendeu as imagens à CNN e, de lá para cá, já usou o drone para cobrir enchentes na Grã-Bretanha e uma caçada a lobos na França, entre outros fatos e eventos. Executivos de organizações jorna- lísticas americanas hesitam em falar publicamente sobre drones. Amaioria dosmeios procurados pela reportagem –mais de dez, incluindo TheNewYork Times , The Associated Press, CNN e NBC –recusou-se a falar sobre o uso que faziam da tecnologia, ou de pla- nos para tal. Nas redações, contudo, o tema vem sendo abordado. Na expec- tativa das novas normas da FAA, mui- tosmeios já avaliamomarco jurídico e questões éticas ligadas à prática. Matt Waite dá aula de jornalismo-drone na University of Nebraska-Lincoln e é o líder de facto do novo campo. O pro- fessor conta que, ultimamente, vem sendo procurado por organizações jornalísticas atrás de orientação sobre possíveis usos da tecnologia. “Vários editores me apresentaram o seguinte cenário: ‘Um cara na equipe usa [ um drone ] para tirar fotos no horário de folga e queríamos usar as imagens. O que aconteceria se usássemos?’.” Seu conselho? estudar bem as nor- mas da FAA, que não abrem exceção para jornalistas. Aos poucos, porém, o uso de drones [ pela mídia americana ] começa a se difundir. Emduas ocasiões no começo do ano, imagens feitas comdrones por algum freelance ou cidadão-jornalista foramusadas por organizações jorna- lísticas para cobrir notícias de última hora. No dia 19 de março, um vídeo gravado comumdrone foi postado no site da emissora NBC4 New York. As imagens, de um incêndio numa usina de reciclagem no Brooklyn, tinham sido “obtidas” pela NBC4, segundo o site (uma assessora da NBC não quis se pronunciar sobre o uso da tecno- logia pela emissora). Atitude vacilante Uma semana antes, quandouma explo- são provocada por vazamento de gás deixou oitomortos e aomenos 70 feri- dos noHarlem, o analista de sistemas BrianWilson, 45, pegou um táxi e cor- reu para o local com um drone Phan- tom. As imagens que registrou, e que foramparar no site do NewYork Daily News , mostravam um edifício total- mente destruído, enquanto bombei- ros – alguns do telhado de prédios vizinhos – lançavam água sobre os escombros (Wilson disse que o jor- nal pagou pelas imagens, o que pelas normas da FAA supostamente confi- guraria uso comercial; um represen- tante do DailyNews não quis falar com a reportagem). “Assim como muitos outros jorna- listas profissionais e cidadãos, estava ali para registrar um acontecimento importante na cidade”, informouWil- son em sua página no LinkedIn. Con- tudo, membros do The New York Drone User Group, que se apresenta como “um grupo de usuários de dro- nes amadores e profissionais”, fica- ram revoltados com a ação de Wil- son e, naquela noite, discutiram o assunto pelo Hangouts, o chat do Google. A seu ver, foi um gesto irres- ponsável, feito para chamar atenção – quando o momento pedia ponde- ração. Num e-mail destinado a todo o grupo, alguém escreveu: “Resu- mindo, não sejam como esse cara (ou essa mulher)”. Um assessor de comunicação da FAA disse que a agência está inves- tigando tanto o episódio do Harlem como o doBrooklyn. Qualquermedida que venha a tomar contra o DailyNews ou a NBC4 claramente abalaria a frá- gil ordem atual, pois o órgão rara- mente disciplina meios de comuni- cação. Até aqui, nenhum deles ques- tionou a FAA com base na primeira emenda da Constituição americana, ainda que especialistas no assunto digam que pode haver embasamento para tal. A atitude vacilante da mídia sobre o assunto reflete a complexidade da questão e a capacidade de dro- nes de revirar o entendimento atual sobre questões cruciais como pri- vacidade, vigilância, segurança e competitividade. “No papel de jornalistas, temos de começar a pensar sobre o impacto des- ses aparelhos voadores”, analisaWaite, que criouoprimeiro laboratóriode jor- nalismo-drone dos EstadosUnidos em 2011, logo depois de colocar no ar um site premiado como Pulitzer, o Politi- Fact. “O que fazem é abuso ou distra- ção? Provocampânico? Estamos aba- lando psicologicamente as pessoas ou invadindo desnecessariamente sua privacidade? Falo com meus alunos sobre essas questões éticas: podemos usar [ drones ], mas devemos? Steve Coll é o diretor da faculdade de jornalismo da ColumbiaUniversity e já discorreu extensamente sobre a tecnologia e seuuso pelas forças arma- das. Para ele, como o drone “desperta a ansiedade e a imaginação das pes- soas, é natural (...) que tomar posse dessa tecnologia para seus próprios fins cause interesse”. Antes de ado- tar a câmera voadora, contudo, Coll sugere que o jornalista se pergunte o seguinte: “O fim para o qual o drone vai ser empregado não pode ser atin- gido por outrosmeios, é algo que real- mente importa, é do interesse público ou se trata apenas de usar o disposi- tivo por usar?” Nesse debate, o interesse público é umaspecto frequentemente conside- rado. É, também, um conceito com- plexo, passível de distintas interpre- tações. Mas a crescente presença de governos e forças de segurança pública nos céus deixa a porta aberta para que jornalistas questionem sua exclusão desse espaço. Oproblemada segurança no uso de drones, sobretudo se o jor- nalista que o opera não souber o que está fazendo, é difícil de negar. Mas é a questão da privacidade que des- perta a grande fúria dos defensores da tecnologia. A seu ver, é um argu- mento espúrio, pois a atual legislação de proteção à privacidade já tornaria ilegal o uso excepcionalmente inva- sivo de drones. E por que a preocu- pação com a privacidade não valeria para a vasta vigilância já promovida pelo governo?No seu entender, a coisa é mais simples: uma fotografia é uma fotografia, um direito garantido que não deveria ser revogado só porque a tecnologia é novidade. Regulação social Em fóruns de discussão na internet, fala-se muito em moderação e auto- patrulhamento. A tese reinante é a de que, como tempo, novasnormas sociais acabarão regulando o uso da tecnolo- gia, assim como ocorreu no caso do celular. Embora o argumento possa cheirar a utopia tecnológica, o poder de normas sociais devia ser óbvio para qualquer pessoa que já tenha tentado atender o celular durante uma sessão de cinema ou usar o aparelho para fil- mar umestranho na rua. Novas restri- ções podem surgir na forma de ética profissional e normas organizacionais. Uma disciplina de jornalismo-drone comandada por Scott Pham na Uni- versity ofMissouri acabou vetada pela FAA quando um aluno quis testar o poder de drones em investigações. Depois de uma aula, o rapaz resolveu gravar imagens de petrolíferas reti- rando água do rioMississippi para uso no “fracking”, o polêmico método de extração de gás de xisto. Pham, que hoje trabalha para a emissoraNBC em San Francisco, ainda crê piamente no drone como instrumento para equili- brar o jogo de forças entre indivíduo e governo. “Vivemos num mundo no qual toda comunicação pode ser inter- ceptada”, afirma Pham. “O que não A atual legislação americana de proteção à privacidade é capaz de coibir o uso invasivo da engenhoca, como dizem os defensores da tecnologia?

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx