RJESPM 10
34 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 35 jornalistas digitais rebatiam que sua via eramais honesta e democrática – e mais rápida. Se isso significava soltar uma informação antes de ser exaus- tivamente comprovada, azar: a inter- net se encarregaria de corrigir erros e a verdade surgiria de um processo aberto de tentativa e erro. Comocolapsodevelhosmodelosde negócios, odebate emtornode valores virou uma batalha de vida ou morte. Chauvinistas do impresso ainda esbo- çam um falso horror quando algum site publica, sem confirmação, que o tio do líder norte-coreano KimJong- un teria sido despido, enjaulado e engolido vivo por 120 cães vorazes ao cair emdesgraça. Enão são poucos os paladinos do digital que se orgu- lham de manter distância da rígida, supérflua e hierárquica estrutura de edição que ainda impera em muitos jornais e revistas. Mas vejamos uma nova possibili- dade: a de que há uma conciliação em curso. Com a fronteira entre o velho e o novo cada vez mais difusa, esta- ria surgindo um híbrido da fusão dos valores básicos das duas escolas de jornalismo. Tanto em redações cen- tradas no impresso quanto nas 100% digitais, a necessidade de rapidez no jornalismo via Twitter e Vine ofusca cada vezmais as práticas tradicionais: notícia é aquilo que foi dado, tenha ou não sido checado e confirmado. Rara é a organização jornalística que, aqui e ali, não leva ao Twitter fatos semia- purados – e mais rara ainda é aquela que se recusa a gerar conteúdo com base nos grandes “trending topics”, ou assuntos mais populares, do dia. Como descobri ao visitar redações compassado e papéismuito distintos, a novidade, hoje, é o que sempre fun- cionou: na brigaminuto aminuto por público e publicidade, velhas noções de credibilidade acabam sendo tão essenciais quanto a rapidez. Apesar do discurso utópico sobre a internet como mecanismo de autocorreção, dar a informação correta desde o iní- cio tem, sim, um valor considerável. “A agilidade e o alcance de novas mídias aumentou tremendamente o impacto de dar uma informação errada, o que está levandomuitos des- ses novosmeios a adotar uma série de valores tradicionais”, dizEricNewton, alto assessor da presidência da Kni- ght Foundation e ex-editor-chefe do Newseum, museu americano dedi- cado ao jornalismo. Achar o meio-termo A questão é achar o equilíbrio. Um certo grau de perfeccionismo é salutar para o negócio, ao passo que o perfec- cionismo absoluto pode simplesmente impedir a produção de um jornalismo de primeira. Até aqui, ninguémachou a fórmula ideal – a Knight Founda- tion acaba de liberar US$ 320mil para apoiar a criação de um software que indique se vídeos virais são autênticos. E o público continua sem saber que critérios utilizar: fãs do Twitter têm muito mais tolerância a erros do que, digamos, assinantes de jornais impres- sos ou leitores de uma revista como a americana The New Yorker . Em toda redação que visitei, o céle- bre sistema de checagem de fatos da New Yorker foi lembrado – menos como ideal e mais como um padrão impossível de ser atingido por meros mortais. Apesar do mercado publici- tário arrevesado, a New Yorker ainda mantém na folha profissionais dedi- cados a checar toda informação publi- cada em suas páginas. Quando redigi um artigo para a revista no ano pas- sado, doismembrosdessa equipededi- caramboa parte de seu tempo àmaté- ria por mais de cinco meses. Cada etapa desse processo de checagem abriu novas possibilidades de apura- ção, o que enriqueceu imensamente omaterial. Para quemvemde um jor- nal, como eu, a sensação era que a coisa toda ocorria num planeta dis- tinto daquele em que vivo. SegundoNewton, énormal quehaja essa diferença, pois cada público é atraído para o meio mais ajustado a seu ritmoe a seus interesses. “Cadaum temamídia quemerece”, acrescenta. A longo prazo, contudo, “vemos que o público quer ser informado daquilo que é verdade”. Nas redações de hoje, com o cres- cente consensodeque opúblicoquer a informação verídica, jornalistas come- çam a se fazer as mesmas perguntas básicas. Uma delas é saber se a infor- mação foi suficientemente apurada para ser apresentada como verídica. Outra é quem decide. Deveria haver normas – ou só ideais? Tentar acer- tar aqui e ali seria suficiente? Fui de carro até o sul do Estado americano da Pensilvânia para visi- tar a redação do York Daily Record . Havia nevado na noite anterior, e os editores do jornal sugeriram que eu conferisse o blog em tempo real que tinham criado para cobrir a primeira nevasca séria do ano na região. No blog, havia vídeos curtos produzidos pelos repórteres da equipemostrando pontos nos quais a precipitação vinha complicando o tráfego. Havia infor- mações do ServiçoNacional deMete- orologia e tuítes de jornalistas e veícu- los de comunicação da concorrência. Os editores se orgulhavam do fato de que o blog dava tratamento igual ao conteúdo enviado por leitores: fotos e tuítes com a hashtag #pawx. Um leitor, Dan Sokil, alertou que o trânsito avançava lentamente em“vias cobertas por uma densa camada de neve derretida”. Outro, Jhofford20, postou o seguinte: “Quer melhor maneira de encarar um dia de neve do que bebendo cerveja?” Umamoça, ErinKissling, acrescentou: “Alerta da meteorologia: lojas de bebidas alco- ólicas estão fechadas. Que merda!” Embora ninguém edite o blog do tempo durante a noite, JimMcClure, o editor do Record , não cortaria nada do que saiu naquele espaço. Ocomen- tário da cerveja “capta bem o que a comunidade está sentindo”. Já o pala- vrão seria aceito porque “na internet há mais liberdade”. Atualmente, o Record tem19 repór- teres numa equipe total de 55 jornalis- tas (no auge, uma década atrás, eram 80). Ali, todo mundo contribui para blogs, grava vídeos, posta em redes sociais – além de fazer reportagens e redigir textos. Repórteres e fotógra- fos, que podem postar diretamente no site, têm “a responsabilidade cada vezmaior de estar corretos”, esclarece a editora de cidades, Susan Martin. “Editores corrigem o que é preciso, assim que possível, quando a coisa já está on-line.” Decidi ir visitar o Record porque o grupo que controla o diário – aDigital First Media, dona de uma rede de 75 jornais – transformou suas redações numa ciranda de jornalistas polivalen- tes que já não se dividem mais entre impresso e digital. Repórteres e pro- dutores do Record batem ponto em redes sociais, no próprio site, no jor- nal impresso. Resta saber se, comessa saturação emvárias plataformas, o jor- nal será mais umespelho da comuni- dade do que seu cão de guarda. E tam- bém se o ritmo e a abordagem do jor- nalismo digital abalarão sua função social de árbitro da verdade. A reestruturação do Record foi con- cebida para “manter omesmo número de gente nas ruas”, explica McClure, há 25 anos no jornal. Uma nova equipe – a do “Design Center”, basicamente um time de editores – planeja e pro- duz quatro jornais regionais sem sair da redação do Record , permitindo que jornalistas em cidades como Cham- bersburg, Hanover e Lebanon se dedi- quemexclusivamente a produzir con- teúdo local. Randy Parker, editor-chefe do Record , quer que todo jornalista encare sua função como uma tríade que inclui agregação do trabalho de concorrentes, curadoria do conte- údo do público e produção de mate- rial próprio. Quando um candidato a um posto revela que sua paixão é a reportagem, “respondo que essa vaga não está aberta”, diz Parker. “Tenta- Onde todo mundo faz reportagens, contribui para blogs, grava vídeos e escreve posts para redes sociais, não há tempo para checar os fatos
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