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44 julho | agosto | setembro 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 45 A sede da Bloomberg News, em Nova York, segue rotina de trabalho. Já as sucursais na China, sofreram com a intimidação do governo por howard w. french paraocorrespondente estrangeirona china , falar de assuntos que a amor- daçada imprensa chinesa não pode sequer citar sempre foi parte vital da mis- são. Há pouco tempo, isso ainda era possível, graças a uma cooperação na sur- dina: frustrado pela censura, algum jornalista chinês discretamente repassava informações a colegas estrangeiros, na esperança de que o fato seria notícia em algum lugar – e que, com um pouco de sorte, acabaria repercutindo tam- bém na China. Nos seis anos que passei no país como correspondente do jornal The New York Times – de 2003 a 2008 –, volta e meia fui beneficiado por essa artima- nha. Quando a censura simplesmente impediu que a imprensa local falasse sobre a versão moderna do trabalho escravo na fabricação de tijolos, por exemplo, jornalistas chineses contavam o que sabiam a mim e a outros cor- respondentes estrangeiros na esperança de que a cobertura por outros paí- ses expusesse a realidade. O que, de fato, ocorreu. Em2012, no entanto, essemodelo de obtenção de informações veio abaixo. Em meio à troca de lideranças na China (a primeira em uma década), três grandes veículos de comunicação americanos começaram, umapós o outro, a pisar num terreno até então virgemcomum jornalismo investigativo próprio – um terreno, aliás, no qual ninguém na imprensa chinesa, por mais temerá- rio que fosse, ousara ingressar. Essa nova safra de jornalismo de primeira produzido pela imprensa ameri- cana no país foi mais do que mera coincidência: foi, antes, o resultado da dis- puta ferrenha entre esses meios para cobrir o jogopolítico e a corrupçãonas altas esferas do governo chinês – ativi- dade que, até então, estivera quase que totalmente oculta do mundo. A disputa acabaria produzindo um escrutínio inédito de elites políticas e econômicas chinesas e uma cornu- cópia de informações para o público leitor. De quebra, jogaria uma dessas organizações jornalísticas numa crise da qual até hoje não saiu. Tanto o Wall Street Journal como o NewYorkTimes já eramlíderes consa- grados na arena internacional. Juntos, somavamseis Pulitzers pela cobertura no exterior – e isso só na China. Já o terceiro ator do drama, a agência de notícias Bloomberg News —braço da gigantesca provedora de dados finan- ceiros Bloomberg LP –, era a noviça na área. E, no entanto, foi a Bloom- berg, comreportagens sobre a imensa (e oculta) fortuna de parentes próxi- mos donovopresidente chinês, Xi Jin- ping, que teria feito a melhor cober- tura segundo gente que acompanha de perto o que acontece ali – e para quem a agência deveria ter levado o galardão maior do meio jornalístico. Mas não. Em 2013, quando o Pulit- zer para a cobertura na China foi, de novo, para o NewYork Times , a decep- çãode repórteres e editores daBloom- berg, segundo eles mesmos comenta- ram, foi imensa. Oalento veio do dire- tor de redação,MatthewWinkler, que conclamou a equipe de lá a não desa- nimar. Segundo um funcionário da Bloomberg, emcarta à equipe respon- sável pelo material sobre Xi Jinping, Winkler argumentou que o trabalho fora “fabuloso”. E concluiu: “Vamos seguir em frente”. O incentivo logo levaria a outra incursão de longo prazo no lodaçal da corrupção envolvendo gente da cúpula política chinesa. De um lance, a Bloomberg virava umnome de peso na cobertura jornalística internacio- nal. Mas agora, de modo igualmente súbito, a reputação da empresa e a de sua equipe jornalística foram abala- das de tal forma que a nódoa pode perdurar por anos. E tudo por causa da cobertura na China. A crise veio a público emnovembro do ano passado, quando umamatéria no New York Times – que repercutiu em outros meios, como o Financial Times – revelou que uma reportagem especial da Bloomberg, que suposta- mente denunciaria uma vasta rede de corrupção envolvendo um dos maio- res empresários chineses e gente da cúpula política do país, fora derru- bada numestágio absurdamente avan- çado do processo de edição. E isso teria ocorrido depois de uma versão repleta de notas explicativas ter pas- sado pelo processo de checagem de fatos e pelo crivo dos advogados da empresa – e de os jornalistas a cargo da reportagem terem sido parabeni- zados internamente pelo espetacular esforço. Segundo o New York Times , Winkler teria falado com os repórte- res ao telefone para defender a deci- são de derrubar o material, compa- rando a situação à demeios estrangei- ros na Alemanha nazista: a autocen- sura seria uma saída para poder seguir atuando no país. Embora essa lógica já fosse em si controversa, umexecu- tivodaBloombergmais tarde revelaria ummotivo ainda mais problemático. Numa espécie de tragédia anun- ciada, a equipe por trás do especial da Revés na Bloomberg A maior agência de notícias financeiras do mundo se enrola toda para explicar sua posição diante das pressões do governo chinês sobre seu conteúdo editorial keyur khamar/bloomberg via getty images
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