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46 julho | agosto | setembro 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 47 Bloomberg começou a se desintegrar. Emnovembro de 2013, dias depois da primeiramatéria no NewYork Times , a agência suspendeu Michael For- sythe, umdos principais redatores da reportagem sobre a China – a quem a empresa aparentemente atribuía o vazamento de informações sobre o projeto recém-abortado. Forsythe, que recebera ameaças de morte por um trabalho anterior sobre Xi, hoje tra- balha na sucursal do NewYork Times emHong Kong (o jornalista não quis falar comnossa reportagem, sob a ale- gação de ter um acordo de confiden- cialidade com a Bloomberg). A caça às bruxas continuou nos meses seguintes. Na equipe de Pro- jetos e Investigação, responsável por boa parte do jornalismo de denún- cia da Bloomberg na China, o clima era de caos – situação agravada pela demissão de dois editores seniores envolvidos até o pescoço nos proje- tos. Um deles foi Amanda Bennett, editora sênior de negócios. Mas omomento decisivo – omaior baque para a empresa até então, e que pode afetá-la por anos a fio – foi uma divulgadíssima declaração do presi- dente, Peter T. Grauer, emmarço. Na ocasião, Grauer basicamente disse que a Bloomberg se deixara empol- gar pelo jornalismo investigativo na China em detrimento de sua verda- deira vocação: a venda de informa- ções financeiras por meio de termi- nais exclusivos. “Temos cerca de 50 jornalistas no mercado, cobrindo sobretudo o que acontece no meio empresarial e na economia locais”, informou Grauer, respondendo a uma pergunta feita após o discurso na Asia Society em Hong Kong. “Todos aqui sabem que, de vez em quando, nos desviamos um pouco [ disso ] e publicamos coi- sas que provavelmente poderíamos ter reconsiderado – que deveríamos ter reconsiderado.” Durante a visita a Hong Kong, de acordo com pessoas que presencia- ram os fatos, Grauer disse à sucursal que a equipe de vendas da empresa tivera de fazer um “esforço heroico” para reparar a relação commembros do governo chinês na esteira da repor- tagem sobre Xi Jinping. Grauer avi- sou a equipe de que a China colo- caria a empresa “imediatamente de volta na lista negra”, caso a Bloom- berg “fizesse algo parecido de novo”, revelou uma fonte. Ameaça à apuração Desde o início da crise, a Bloomberg negou que tivesse derrubado a repor- tagem da sucursal na China. Vaga, sua resposta foi que o material sim- plesmente não estava pronto para ser publicado. As declarações de Grauer, tanto em público quanto à redação, jogaramuma nova luz sobre a questão e levaram mais gente a pedir as con- tas – entre eles BenRichardson, editor especial emHongKong e único jorna- lista da Bloomberg a protestar publi- camente contra o comportamento da empresanahistória toda. “Éclaro, para mim, que devemos ter uma séria dis- cussão sobre a abordagemda imprensa na China”, declarou Richardson por e-mail ao site Romenesko, especiali- zado em jornalismo. “Ninguém está travandoessadiscussãonaBloomberg.” As declarações deGrauer serviram, no mínimo, para expor um racha na questão da identidade cultural e da missão da agência – racha que ameaça o jornalismo investigativo da Bloom- berg. Enquanto isso, a agência temum duro caminho à frente para reconquis- tar a credibilidade naChina – que dirá para reaver o prestígio concedido a candidatos ao Pulitzer. “Nessemomento, não sinto orgulho de trabalhar na Bloomberg”, confes- sou um repórter envolvido nos espe- ciais sobre a China e que, por ora, segue na empresa. Emdezembro, esse mesmo repórter tirou damesa de tra- balho um porta-retratos com uma carta de recomendação que recebera de Winkler. “Fiquei com vergonha.” Basta olhar umpouquinho alémdos problemas da Bloomberg para ver que há algo muito maior em jogo: a con- tínua batalha pelo controle da infor- mação entre a autoritária China, uma nova superpotência, e a mídia inter- nacional – e isso num país que não só tem a maior população do mundo, mas que será, muito em breve, sua maior economia. Há pouco, outro caso de corrupção nas altas esferas polí- ticas da China sacudiu o país, desta vez envolvendo o ex-chefe de segu- rança interna, Zhou Yongkang, até recentemente um membro do pode- roso Comitê Permanente do Polit- buro – e, hoje, em prisão domiciliar. A aguardada condenação de Zhou vai pôr à prova a capacidade da China de controlar a narrativa oficial sobre a corrupção no país, sobretudo se a imprensa internacional seguir firme no jornalismo de denúncia. Verdade seja dita, a Bloomberg tem mais a perder na China do que outras empresas de comunicações. É que o mercado é crucial para a principal ati- vidade da Bloomberg: fornecer, por uma assinatura mensal de US$ 2 mil, terminais de dados para empresas do setor financeiro, negócio mais rentá- vel do que o tradicional modelo de venda de publicidade e assinaturas da mídia. Para piorar, praticamente ao mesmo tempo que tinha início a crise na Bloomberg, executivos da empresa discutiam a criação de um novo site no idioma local, segundo a correspondência via e-mail que me foi repassada por gente ligada ao pro- jeto. É como disse Grauer naquele momento de franqueza em Hong Kong: “Temos de estar ali”. Mas toda organização jornalística tem, financeiramente falando, muito em jogo na China. Aqui, omais impor- tante talvez seja o destino de um jor- nalismo de denúncia independente no país asiático – inovação recente, sur- gida há coisa de dois anos da acirrada disputa entre organizações jornalís- ticas americanas instaladas no país. Para entender o porquê, é preciso primeiro desvendar a complicada trama por trás da criação da primeira equipe de jornalismo investigativo da Bloomberg na China – equipe que, no final, acabou desmoronando. Corrupção é notícia A história não parte com a Bloom- berg. Começa com a cobertura, pelo Wall Street Journal , do ambicioso Bo Xilai, o ex-membrodoPolitburo e diri- gente do PartidoComunista cujo afas- tamento do posto no início de 2012 e subsequente prisão foram motivo de sério constrangimento para a China. Num país no qual a maioria dos diri- gentes busca transmitir uma imagem impenetrável à sociedade, Bo era um sujeito carismático, louco pelos holo- fotes. Caiu por uma série de fatores (um deles foi a condenação da esposa pelo assassinato de um empresário britânico). Mas Bo também buscou encrenca ao desafiar a velha ordem chinesa e usar o poder em proveito próprio e de asseclas. A investida do Journal partiu em fevereiro de 2012. Semana após semana, àmedida que a crise Bo Xilai avançava, o jornal americano parecia ter a coberturamais original e revela- dora sobre o assunto, numa tendên- cia cuja persistência tirava a concor- rência do sério. Essa crise foi um importante divi- sor de águas no tema da corrupção na liderança chinesa e parecia abrir a porta para umescrutínio aindamaior. Mas havia umdetalhe crucial: Bo caíra em desgraça para a cúpula do país. Para o Estado chinês, mexer com ele era permitido. Embora para dirigentes chineses Bo possa ter parecido um caso iso- lado, para a sociedade chinesa – e para muitos jornalistas estrangeiros que cobriam o país – o ex-dirigente virou O presidente da empresa afirmou que a sucursal havia se desviado da verdadeira vocação: a venda de dados financeiros por meio de terminais exclusivos

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