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48 julho | agosto | setembro 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 49 símbolo de umproblemamuitomaior, que acometera a China à medida que o país se tornava mais rico e globali- zado: ousodesenfreadodopoder polí- tico para o enriquecimento pessoal. Cansados de comer poeira no caso Bo, tanto a Bloomberg quanto o New York Times bateram forte na tecla da corrupção, cada qual escolhendo uma figura política de alto escalão para ilustrar o problema. Opilar da tese de que a Bloomberg merecia o Pulitzer que o NewYork Times acabou levando seria o fato de que a agência de notí- cias foi a mais ambiciosa: seu alvo foi a figura mais elevada em todo o sis- tema político chinês, Xi Jinping, o novo presidente, sobre o qual, até ali, pouca coisa de natureza particular- mente reveladora era sabida. “Estávamos perdendo de lavada quando oMike sugeriu que devíamos seguir a trilha do dinheiro”, declarou o britânico Ben Richardson, o editor especial emHong Kong que deixou a empresa emmarço. O “Mike” a quem se referia éMichael Forsythe, o prin- cipal redator do material da Bloom- berg sobre Xi Jinping. E, também, o grande responsável por uma repor- tagem posterior sobre corrupção em geral na China –material que, umano mais tarde, supostamente teria sido autocensurado e deflagrado a crise na Bloomberg. “Lembro de uma conversa em um bar, com três editores”, continuou Richardson. “Chegamos à conclusão de que devíamos parar de seguir o rastro do [ The Wall Street ] Journal e do [ The New York ] Times , que o Xi já não era blindado (...). Foi por isso que resolvemos ir atrás dele, do Xi Jin- ping. [ A decisão ] não foi imposta lá de cima, foi orgânica. A certa altura, che- gamos a pensar que não iriam deixar a gente dar o material. Minha dúvida é se sabiam realmente o que estavam fazendo, quais seriam as consequên- cias.Mashaviaumquêdebravatanisso tudo. Era algo que fazia a alta direção se sentir bem. A meu ver, nenhum deles tinha ideia da encrenca em que estariamsemetendo, e foi sódepois de serempostos de castigo [ ou seja, sujei- tos a represálias por parte dos chineses ] por vários meses que entenderam”. Outro envolvido na reportagem disse que embora um jornal de Hong Kong – o Ming Pao – tivesse sido o pri- meiro a dar um relato detalhado da corrupção nos altos escalões envol- vendo Bo Xilai, a Bloomberg fora a primeira agência de notícias estran- geira a tocar na questão dos interesses financeiros da família de Xi Jinping, desbravando todo um novo terreno. “Conseguimos informações exclusi- vas, o que deixou o pessoal muito ani- mado”, acrescentou. Investigação detalhada Com efeito, o trabalho causou sensa- ção mundo afora, tanto mais porque a Bloomberg nunca fora um nome de peso na produção de grandes reporta- gens sobre o tema. “O forte da Bloomberg era, por assim dizer, a leitura de prospectos de emissão de títulos, até então eles nunca tinham feito nada parecido” na China, disse Richard McGregor, ex-chefe de redação da sucursal do Financial Times emBeijing e autor de um livro sobre a política chinesa, The Party . “Acho que aquela foi a reporta- gemmais incrível sobre os dirigentes chineses já vista, talvez em todos os tempos. Cobrir a política chinesa era, na minha experiência, algo parecido com a história antiga. Você consegue uma pequena informação aqui, outra ali – até que, muito tempo depois do fato, talvez comece adar algumsentido à coisa toda. Esse caso foi totalmente diferente, e o melhor de tudo é que o modelo da Bloomberg é uma fórmula genérica que pode ser aplicada a qual- quer dirigente chinês.” OqueMcGregor chamade “fórmula genérica” significa estabelecer a parti- cipação de parentes de dirigentes chi- nesesemempresasnormalmenteregis- tradas em Hong Kong. É um truque que começa com a identificação dos parentes e, emseguida, a conversãodo nome de cada integrante do clã para o cantonês, o idioma de Hong Kong. Umrepórter da Bloombergme con- tou que o pessoal que participou dos trabalhos de investigação na China tinha orientado jornalistas de outras sucursais da agência, sobretudo na Rússia, para que pudessem aplicar os mesmos métodos. O trabalho investigativo do New YorkTimes tambémenvolveu técnicas sofisticadas de contabilidade forense, e, seja qual for o critério aplicado, foi extraordinário. Só que o alvo foi o pri- meiro-ministro de saída, Wen Jiabao, figura de muito menos poder do que umpresidente chegando ao cargo – e umpresidente cuja família haviamais de uma década vivia cercada de rumo- res de corrupção. Alémdisso, a repor- tagemdaBloomberg sobre a famíliaXi saiu meses antes do material do New York Times sobre o clã Wen. Não tardou para que a Bloomberg recebesse sinais de que a apuração teria sérias consequências. Aliás, esses sinais começarama chegar antes mesmo da publicação do material. Quando o trabalho de reportagem sobre Xi Jinping estava quase conclu- ído, a Bloomberg procurou o Minis- tério das Relações Exteriores chinês para que comentasse amatéria. Entre outras coisas, autoridades chinesas foram informadas de que o texto da Bloomberg afirmariaqueo clãXi tinha interesses financeiros nos setores de minérios, imóveis e equipamentos de telefonia celular, incluindo inves- timentos em empresas cujos ativos somavam US$ 376 milhões. Há uma série de versões sobre o que veio a seguir, mas todas afirmam que na época, sem o conhecimento dos repórteres, altos executivos daBloom- berg tiveram reuniões com o então embaixador da China em Washing- ton, Zhang Yesui. E, mais tarde, com outro diplomata chinês emNovaYork. Embora haja pequenas diferenças em detalhes relatados por três indi- víduos com conhecimento da situ- ação na Bloomberg, a essência des- sas conversas foi parecida. Segundo um deles, o embaixador Zhang teria dito o seguinte aMatthewWinkler, o diretor de redação: “Se a Bloomberg der a matéria, coisas ruins irão acon- tecer com a Bloomberg na China. Se a Bloomberg não der a matéria, coi- sas boas irão acontecer coma Bloom- berg”. Aresposta deWinkler teria sido curta e grossa: “Vou dar a matéria”. Pouco tempo depois, Peter Grauer, presidente do conselho daBloomberg, e Daniel L. Doctoroff, o presidente executivo, tiveram uma reunião com um alto funcionário chinês em Nova York. Os chineses voltaram à carga, desta vez com um discurso sobre incentivos e punições. Segundo duas fontes, ao ouvir a ameaça implícita Doctoroff respondeu: “Caro embai- xador, o senhor não entende. Se não dermos essa matéria, será ruim para nosso negócio”. Segundo uma ter- ceira fonte, a resposta de Doctoroff teria sido ainda mais taxativa. O exe- cutivo teria dito, na prática, que a car- reira da Bloomberg como provedora de notícias teria fim caso censurasse a própria redação. Advertência chinesa Já segundo pessoas envolvidas na reportagem na Bloomberg, apesar de toda a bravata dos executivos da agên- cia, a advertência chinesa parece ter baixado a bola de todos. Foi por essa época, segundo parti- cipantes de uma longa teleconferên- cia na agência, que pelo menos um alto executivo da casa – Doctoroff – teria começado a discutir a maté- ria sobre Xi com repórteres e edito- res, exigindo mudanças para suavi- zar o impacto do texto. Amaioria das alterações se concentrou na caracte- Cena de vídeo que circulou pela internet com críticas ao trabalho da agência na China Reprodução de animação
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