RJESPM 10

52 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 53 por robert s. eshelman Cenas como a de um iceberg separado de uma geleira fomentam o debate político em torno do aquecimento global. Esta foi em Juneau, no Alasca em um dia escaldante de junho de 1988, James E. Hansen, então dire- tor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais daNasa, apresentou-se para uma comissão do Senado dos Esta- dos Unidos. Sentado diante de um monte de câmeras e de um grupo de funcioná- rios de ar severo, Hansen deu decla- rações que começariam a mudar o que era considerado ponto pacífico na então recente ciência das mudan- ças climáticas. “Eu gostaria de apontar três con- clusões principais”, começou. “Pri- meiro, a Terra estámais quente agora em1988doque emqualquermomento desde que começamos a fazer medi- ções instrumentais. Segundo, o aque- cimento global já é forte o suficiente para que possamos estabelecer com segurança uma relaçãode causa e con- sequência com o efeito estufa. E, ter- ceiro, nossas simulações computado- rizadas do clima indicamque o efeito estufa é forte o suficiente para afetar a probabilidade de situações extre- mas, como ondas de calor no verão.” O “efeito estufa”, que nós conhe- cemos hoje como uma mudança ou uma perturbação climática, é provo- cado pela atividade humana, princi- palmente pela queima de combustí- veis fósseis desde o início da Revo- lução Industrial, disseram Hansen e outros cientistas naquele dia. O senador Timothy E. Wirth, do Colorado, esteve presente na audi- ência e em seu discurso de abertura declarou: “A Comissão de Energia deve adotar uma postura proativa para avaliar como a política energé- tica contribuiupara o efeito estufa e as mudanças que podemser necessárias para reverter a tendência do aumento das emissões de dióxido de carbono, um subproduto da queima de com- bustíveis fósseis”. Emoutras palavras, eram as pessoas que estavam provo- cando o aquecimento, e o Congresso deveria entrar na briga para evitar impactos ainda mais devastadores. Na época da declaração de Han- sen, metade dos Estados Unidos era de terras cultiváveis improdutivas. Meteorologistas tinham declarado aquela a pior seca desde o Great Dust Bowl [ fenômeno climático caracte- rizado por tempestades de areia que devastou o país durante a seca prolon- gada da década de 1930, agravada pela devastação das terras para o plantio de trigo, cujos efeitos foram retratados por John Steinbeck em As Vinhas da Ira (Record, 2001) ] . ORioMississippi havia chegado a seu nível mais baixo desde 1872, quando começaram as medições. Os anos 1980 se tornariam a décadamais quente já registrada até aquele momento. Alguns anos antes, as TVs mostravam figuras esquálidas a meio mundo de distância, vítimas da seca prolongada na África Subsa- ariana. A capa da revista Time “The Endangered Earth” (A Terra amea- çada) foi eleita “OPlaneta do Ano” de 1988 [ numa alusão ao título “persona- lidade do ano” concedido pela revista ]. Daí a deduzir que as condições climá- ticas pudessemprovocar graves danos econômicos e aumentar o sofrimento humano foi apenas um pulo. O depoimento contundente de Hansen sobre o efeito estufa não foi o primeiro dirigido aos políticos de Washington. Já em1965, o presidente Johnson havia sido alertado pelo Comitê Consultivo em Ciência das evidências crescentes de que as emis- sões originadas nas indústrias estavam provocando impactos na atmosfera. No entanto, as declarações de Hansen foram parar nas manche- tes – o que não havia acontecido até então. Por isso, esse é considerado o momento de mudança na compre- ensão do cidadão americano sobre os impactos do homem no clima. O New York Times publicou “O aqueci- mento global começou, diz especia- lista ao Senado”. Em janeiro de 1989, o Nova, um famoso programa de TV sobre ciências, da emissora pública americanaPBS, transmitiuuma repor- tagem chamada “Quente o suficiente para você?”, sobre o verão quente e secode 1988 e as possíveis consequên- cias do efeito estufa a longo prazo. No segundo semestre de 1989, chegou às livrarias The End of Nature – o pri- meiro livro sobre o efeito estufa para o público leigo–, escritoporBillMcKib- ben, um colaborador da New Yorker de 29 anos. Amídia tinha despertado. Mesmo que a ideia do aquecimento global estivesse se popularizando, parecia difícil para muita gente fora dacomunidadecientíficaacreditarque o ser humano estivesse transformando profundamente algo tão poderoso e aparentemente permanente como o clima da Terra – e tão rapidamente, em cerca de 100 anos. Para explicar sua ideia, Hansen e outros,comoMcKibben,procuraramse basear emdados científicos edemons- travamsua teoria demaneira didática. Dessa forma, falaram sobre como o efeito estufa causaria secas mais fre- quentes e elevaria o nível dos mares. A postura que adotaram – de que bastaria apresentar argumentos cien- Ian Berry O perigo do equilíbrio Apesar das provas científicas de que o homem causa as mudanças climáticas, o noticiário ainda oferece o mesmo espaço à versão contrária

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx