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58 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 59 enquanto isso no brasil... Ana Paula Freire emrazãodaminha pesquisa de dou- torado, desdeque foi divulgadooquarto relatório de avaliação (AR-4) doPainel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), em2007, acompanho, de forma conti- nuada, acoberturadoaquecimentoglo- bal namídia, comespecial atençãopara os principais jornais, revistas e portais de notícia do Brasil. Naquela ocasião, quando os cientistas afirmaram, com 95%de confiança, que a ação humana estavaalterandooclimadaTerra, houve umreconhecimento político e público de que a situação era realmente crítica, e o tema ganhouumapelomidiáticode grande proporção em nível mundial. Para melhor entendimento, farei aqui uma breve recapitulação. Basi- camente, o AR-4 concluiu que houve umconsiderável incremento das con- centrações de gases do efeito estufa na atmosfera, consequência principal- mente da queima de combustíveis fós- seis e das mudanças no uso da terra, como o avanço do desmatamento nas regiões tropicais. Essas atividades pro- vocam o aumento nas emissões de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso (gases que, em altas concen- trações, intensificam o efeito estufa natural) e colocamo homemna incô- moda posição de responsável direto pelo aquecimento global, segundo a avaliação do IPCC. Com a ampla divulgação do AR-4 na mídia, o alerta científico rapida- mente repercutiu na esfera política, e odebate ganhou contornos de embate. No cerne das discussões, a responsa- bilidade individual (e) de cada nação, desvelada na polarização entre os paí- ses já desenvolvidos e os que seguem emdesenvolvimento. Afinal, quemvai pagar a conta dos custos de redução de emissões e da adaptação necessária às mudanças climáticas globais? Essa discussão e seus corolários elevaram o tema a umdos mais importantes na agenda-setting mundial. NoBrasil, em particular, o espaço dedicado às ques- tões do clima, em diferentes vieses, é notadamente exponencial. Ointeressedanossamídiaseexplica, emgrandemedida, pelo fatodeque, na últimadécada, oBrasil definitivamente consolidou um papel de liderança no cenário internacional, no âmbito das políticas econômicas eambientaispara as mudanças climáticas. Por sua vez, o IPCC assumiu o status de principal referência na avaliação da literatura científica sobre o tema e profissiona- lizou a sua comunicação em todos os níveis. Tambémcontribui o fatode ter- mos vários cientistas brasileiros inte- grando diferentes grupos do IPCC, o que, sem dúvida, facilita o acesso às informações. Todos esses aspectos devem ser considerados em qualquer análise quantitativa e qualitativa. Fontes pouco confiáveis No que diz respeito às controvérsias científicas, vale ressaltar um aspecto diferencial da cobertura no Brasil em relaçãoaoutrospaíses: aqui, a imprensa costuma dar voz aos chamados “céti- cos” do aquecimento “antropogênico”. Nesse particular, a relação comas fon- tes ainda é uma das vulnerabilidades do nosso jornalismo. É que, na ânsia de abrir espaço para o contraditório, um dos princípios basilares da prá- xis jornalística, muitas vezes o jorna- lista deixa de observar (ou considerar, o que é mais grave) que a fonte esco- lhida não possui sequer publicação na área. Fomenta-se uma “polêmica” que não reflete as questões científicas de modo apropriado e balanceado. Ou seja, dar voz a quemdiscorda ou contesta o IPCC não é o problema, ao contrário – porque, afinal, o debate é o motor para o avanço da ciência e, mais do que isso, é constitutivo do processo de produção do conhecimento. O que eu defendo é que a escolha da fonte deve observar com rigor alguns indi- cativos, a especialidade e publicações na área, pelo menos. Buscar o con- traditório, portanto, só faz sentido se existir minimamente uma relação de paridade de certos critérios científi- cos entre as vozes dissonantes. Já vi cientista refutar o papel da Floresta Amazônica como reguladora do clima global sem nunca ter pesquisado ou publicado sobre a Amazônia. Outra característica importante que observo na nossa imprensa é a dificul- dade de incorporar as incertezas ine- rentes aométodo científico. Se, por um lado, é inegável o amadurecimento do jornalismo especializado em ciência, por outro, a cobertura continua desli- zando nesse objeto. Uma razão pode estar no fato de que a estrutura canô- nicado jornalismopreconiza exatidão, e formulações sugerindo uma ciên- Quando não ter novidade pode ser a boa notícia O tratamento pouco analítico do mais recente relatório sobre mudanças climáticas revela falta de foco da imprensa brasileira, que parece não saber o que é relevante na cobertura científica Na edição de 21 de junho de 2006, a revista Veja publica um especial anunciando consequências sombrias quase imediatas do efeito estufa EDITORA ABRIL

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