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62 JULHO | AGOSTO | SETEMBRO 2014 revista de jornalismo ESPM | cJR 63 na noite de 12 de dezembro de 1957, quando Albert Camus disse a uma plateia de estudantes da Universidade de Estocolmo: “Ainda não dei minha opinião sobre a Argé- lia, mas daria se vocêsme perguntassem”, a turma não dei- xou escapar a oportunidade. Dois dias antes, Camus rece- bera o Nobel de Literatura – era o segundo escritor mais jovem a levar o prêmio. Na Argélia, sua terra natal e cená- rio dos célebres romances OEstrangeiro (Record, 2005) e A Peste (Record, 2000), a guerra de independência ardia nas ruas. Em fevereiro de 1956, quando deixou o posto de edi- torialista da revista francesa L’Express , Camus decidira não falarmais empúblico sobre o conflito; uma série de artigos e reuniões com oficiais franceses e integrantes da Frente de LibertaçãoNacional (FLN) sobre as virtudes do diálogo e da necessidade de uma trégua civil tinha sido em vão. Logo, mesmo que naquela noite de dezembro um jovem argelino não tivesse interpelado Camus sobre sua recusa em assinar petições a favor dos argelinos e insultado o escritor, a opinião de Camus estava fadada a virar notí- cia. Em meio a interrupções, Camus declarou: “Você é a favor da democracia na Argélia, seja então democrático e deixe-me falar (...). Deixe-me terminar minhas frases, pois emgeral uma frase só faz total sentido quando é con- cluída”. Depois de dizer que, como jornalista, já fora obri- gado a deixar a Argélia por defender a população muçul- mana, e de declarar que apesar do silêncio em público seguia agindo nos bastidores, Camus afirmou: “Sempre condenei o terror. Devo também condenar o terrorismo cego que vemos nas ruas de Argel, por exemplo, e que um dia pode vitimar minha mãe ou minha família. Creio na Justiça, mas defenderei minha mãe antes da Justiça”. Quando concluiu a frase, Camus não percebeu que seu significado não ficara claro – e tampouco que sua decla- ração sobre a questão, de tão repetida, viraria na prática sua última: em 1960, numa viagem de Lourmarin a Paris com o amigo e editor Michel Gallimard, um acidente de carro o levaria à morte aos 46 anos. Desde que o jornal LeMonde deuo (único) relatoda que- rela, a declaração – comumente classificada de “famosa” ou “polêmica” – ficou aberta a interpretação. Ao contra- por a vida de um indivíduo com o destino de muitos, o argumento foi tachado por várias pessoas de uma atitude covarde diante do colonialismo – algo que remetia, aliás, aomais jovemagraciado como Nobel, Rudyard Kipling – e defendido por outros como a sutil crítica de um huma- nista ao terrorismo. Não é de estranhar, portanto, que o episódio de Estocolmo volte à baila em dois novos livros lançados em inglês: umdo próprio Camus, Algerian Chro- nicles (do francês Chroniques Algériennes – Crônicas arge- linas – , com edição e introdução de Alice Kaplan e tra- dução de Arthur Goldhammer), e outro sobre o autor, A Life Worth Living: Albert Camus and the Quest for Mea- ning , de Robert Zaretsky. O curioso é que tanto Kaplan como Zaretsky dão outra versão do episódio acima – ver- são há pouco endossada pelos editores das obras comple- tas de Camus e baseada no testemunho do tradutor sueco do autor, que ouviu de outro jeito a polêmica declaração: “Nesse momento, estão jogando bombas nos bondes de Argel. Minhamãe pode estar numdesses bondes. Se isso é Justiça, prefirominhamãe”. Essa retificação do registro (e refutaçãomais clara de uma só definição de Justiça) não é a única coisa que os dois livros compartilham; aliás, lidos emparalelo, umcompleta o outro. Concisa, a biografia dá contexto à vida levada por Camus durante os 19 anos que por elias altman Escrita engajada Crônicas de Albert Camus, mais do que a famosa ficção, mostram a evolução de suas ideias sobre a vida e como vivê-la Retrato do escritor durante visita a Londres em 1952, ano em que ocorreu o rompimento público com Sartre Kurt Hutton/Getty Images
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