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18 outubro | novembro | dezembro 2014 ideias + críticas josé paulo kupfer Fontes viciadas: conformar-se ou formar As assessorias de imprensa montaram um supermercado de aspas, dados e interpretações. Até aí, tudo bem. O problema é que os repórteres estão ficando dependentes a produção, no brasil , de um jorna- lismo de qualidade, aquele em que são contempladosdiversosângulosdasques- tões, comas necessárias contextualiza- ções,vempassandoporpercalços.Arela- çãoentrefonteserepórteres,pilarcrucial desse jornalismo, foi afetada por vícios de comportamento que contaminam o fazer cotidiano das redações. Todas as editorias convivem com esse problema de fundo, que conduz a coberturas desequilibradas. Elas acei- tame reforçaminterpretaçõesparciais, preferidas pelo mainstream do pen- samento nas diversas áreas cobertas, quase sem abrir espaço para a diver- sidade de fontes e visões divergentes. Isso afeta desde a pauta até a edição de textos e imagens. Acoberturadeeconomianãoéaúnica em que o fenômeno se apresenta. Nos temas de saúde, nas questões da educa- ção e nos assuntos urbanos, por exem- plo, os mesmos problemas das fontes viciadas podem ser localizados. Mas é na economia que o problema parece mais disseminado. Levantamentoscobrindoasmenções, naseditoriasdeeconomia,afonteseins- tituições, nos três jornais impressos de expressão nacional – Folha de S.Paulo , EstadodeS.Paulo e OGlobo –,noperíodo deummês, de2012a2014, dão indícios dessa concentração em determinadas fontes de informação. Conclui-se que a diversificação de fontes é baixa, ocor- rendoumdesequilíbrio entre as linhas de pensamento que sustentam as aná- lises, compredominância de visões de política econômica com viés de mer- cado, ditas neoliberais.  Há forte incidência de instituições e fontes de governo, bem como a parti- cipação de representantes de associa- ções setoriais ede categorias profissio- nais. No caso das instituições e fontes do setor privado, a predominância é daquelasque representambancos, con- sultorias econômicas e instituições de ensinode corte declaradamente neoli- beral, adeptas da aplicaçãode políticas econômicas ortodoxas. Coincide tam- bém serem instituições apoiadas por assessorias profissionais, no relaciona- mento com a imprensa.  Em2014, por exemplo, apenas asdez instituiçõesmais citadas responderam pormetadedo total de citações, confir- mando a concentração de fontes. Den- tre elas, 30% das menções vieram de órgãos dogovernoe 7%, de associações setoriais. Os demais 63%, ou seja, duas emcada três citações entre as dezmais citadas, vieram de instituições priva- das representantes de bancos, consul- torias e escolas de economia, todos de linha liberal. Destaques para a Funda- çãoGetulioVargas, doRiode Janeiro, e a consultoria privadaTendências, que, entre as dezmais citadas, responderam por quase metade das citações. Viés na cobertura Deve-se relativizar o valor estatístico dos levantamentos, mas nem por isso seus resultados sãomenos valiosospara a confirmação do fenômeno das fon- tes viciadas. Os levantamentos abran- geram, a cada ano, as matérias publi- cadas no mês anterior aos congressos daAssociaçãoBrasileirade Jornalismo Investigativo (Abraji), e, assim, as ques- tões prevalentes nas épocas em que as pesquisas foram realizadas marca- ramas pautas e, consequentemente, as instituições e fontes consultadas. Em março de 2012, por exemplo, as altas nas cotações do dólar eram tema de maior interesse da cobertura, assim

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