RJESPM 11
revista de jornalismo ESPM | cJR 21 sorias de imprensa se multiplicaram, especializaram-se, transformaram-se em produtoras de informações bási- cas, num movimento de crescimento em sentido contrário ao vivido pelas redações. Enquanto as redações enco- lhiam, as assessorias inchavam. Não só isso, foi tomando corpo uma assime- tria entre a preparação das assessorias para o relacionamento coma imprensa e a falta de preparo das redações para esse relacionamento. Refletindo esse momento, as caixas de e-mails dos jor- nalistas começarama ser infestadas de ofertas de fontes. O case da BB Investimentos, apre- sentado no Prêmio da Associação Brasileira de Comunicação Empresa- rial (Aberje), em 2013, ilustra a situ- ação. Decidida a incluir seus analis- tas na agenda dos jornalistas, a subsi- diária de investimentos do Banco do Brasil desenvolveu um projeto espe- cífico de relacionamento com jorna- listas que resultou num aumento de 445% nas pautas recebidas, entre o primeiro semestre de 2012 e o pri- meiro semestre de 2013. No mesmo período, a visibilidade da empresa na mídia, medida em pontos no Iqem – um índice ponderado de exposição na mídia, desenvolvido pela agência de comunicação CDN –, cresceu 75% no total e 194% no segmento de jor- nais nacionais. Estavam sendo assentadas assim as bases para o desenvolvimento do que se poderia chamar de “jorna- lismo de prateleira”. O “jornalismo de prateleira” pode ser qualificado como tal porque opera de modo simi- lar ao funcionamento de um super- mercado, onde os produtos expostos em gôndolas são escolhidos e colo- cados nos carrinhos pelos consumi- dores. Nas redações, as fontes ofere- cidas pelas assessorias de imprensa são alcançadas pelos jornalistas para fornecer dados, números, interpre- tações e aspas que comporão os tex- tos ou, diretamente, produzirão aná- lises para ajudar a contextualizar os fatos noticiados. Com os devidos créditos profissio- nais, queas tornamelegíveisparaaspas, as fontes oferecidas são treinadas para atender aos jornalistas no tempo curto de que dispõem e com argumentação sintética,recheadadenúmeroscompro- batórios de suas análises, sob medida para os textos resumidos e “objetivos” exigidospelaedição. Facilitam, enorme- mente, dessemodo, o trabalho dos jor- nalistas e se tornam tão mais assíduas naspáginas quantomais aprendema se adaptar às necessidades de concisão e rapidezdominantes nas redações. Sem filtros oucontroles, emuitomenos exi- gências de diversificação, a repetição das fontes se torna regra e o vício das fontes se instala. Participação no debate público Não há nada de errado no trabalho das agências de comunicação e de suas assessorias de imprensa. Éobviamente legítimo treinar assessorados para o relacionamento coma imprensa. Esse trabalho colabora, inclusive, para redu- zir ruídos na comunicação e ajudar na transmissãomais correta das informa- ções transmitidas. Éclaro tambémque todo esse esforço atende a interesses das fontes em participar do debate público de temas do momento pela imprensa. A exposição nas páginas editoriais tem valor excepcional para a captura emanutenção de clientes ou, no mínimo, para luzir o ego do entre- vistado e reforçar seu prestígio entre pares e na sociedade. Há, sim, moeda de troca envolvida, mas, se ela se res- tringe ao fornecimento de informa- ções, é natural e bem-vinda. O problema é que a facilidade de acesso às fontes assessoradas, o que inclui a hoje importante possibilidade deencomendadeartigosassinados,para entrega em poucas horas, no tamanho combinado e com texto final, vicia. O resultadoéuma repetiçãoexcessivadas mesmas fontes, empobrecendoodebate e, mais do que isso, fechando espaços a visões e interpretações divergentes. O objetivoclássicodo jornalismo–ofere- cerdiversos ângulosdo fato–fica intei- ramente comprometido. Possíveis fontes divergentes, não assessoradas profissionalmente para o relacionamentocoma imprensa, costu- mam, salvopoucas exceções, permane- cer invisíveis para os jornalistas. Além de exigirem esforço adicional do jor- nalista para “descobri-las”, demandam emgeral trabalhopacientede formação. É preciso convencê-las do valor social de sua participação no debate público viamídia e “treiná-las” para o tempo e os formatos, normalmente mais rápi- dos, concisos ou mesmo mais superfi- ciais, típicos do jornalismo e diferen- tes daqueles com os quais elas estão acostumadas, notadamente o acadê- mico. Emuma palavra, alémde desco- brir fontes diversificadas, é necessário, quase sempre, formá-las. Transformar o quadro atual exigiria um retorno aos tempos, meio século atrás, emque, no Brasil, as editorias de economia ganharam espaço próprio e começarama sedesenvolver, na esteira do“milagreeconômico”edas restrições impostas pela ditaduramilitar à cober- turadepolíticaemesmodeassuntosdo cotidiano. Nas décadas de 1960 e 1970, os jornalistas da área precisavam for- mar suas fontes, treiná-las nesse fazer específico, depois de convencê-las a dar entrevistas e fornecer informações. Coma cristalizaçãodovíciodas fon- tes, torna-se relevante decidir o que cabe aos jornalistas e aos comandos da redação: conformar-se com a situação ou formar novas. Se jornalismode qua- lidadedependede fontesdiversificadas de informação, estámaisdoquenahora deadotarnovas exigências enovospro- cedimentos, capazes de assegurar sua diversidade. Medidas simples, como o controle metódico das fontes mencio- nadas e a adoção de metas de diversi- dade já ajudariam a evitar repetições exageradas, que rebaixam a qualidade do jornalismopraticadonas redações. ■ josé paulo kupfer é colunista do Estadão , comentarista da TV Estadão e articulista do jornal O Globo .
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