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30 outubro | novembro | dezembro 2014 A cobertura de ciência vive em função dos papers e não consegue criar uma agenda original O velho com cara de novo enquanto isso no brasil... Carlos Fioravanti o jornalismo científico apresenta uma peculiaridade desafiadora: a per- seguiçãopelosartigoscientíficos, publi- cados emrevistas especializadas, prin- cipalmente no exterior, que se somam aos pressreleases institucionaisenviados aos jornalistas, elaboradosgeralmentea partir desses artigos.Hoje, abundantes, os papers , comooscientistaspreferem– ouaindapêipers,aportuguesando–,têm duas faces, como o deus romano Jano, que olhava para o futuro e para o pas- sadoaomesmotempo.Os papers podem tanto valorizar o trabalho jornalístico, ao dar consistência e credibilidade a notícias sobre descobertas científicas aparentementenovas, como tambémo desvalorizar, porque inibema formula- çãode pautas criativas e podemlevar à dependênciaeàacomodação. Facilitam a busca e a produçãodematérias sobre ciência,mas tambématrapalhamacon- cepçãodepautasmais elaboradas. Res- saltamoepisódico, os resultados recém- -publicados, e, inversamente, adiamas reportagens edebates sobreproblemas atuais, igualmente importantes. Como esses temas tomam mais tempo e tra- balho para serem encontrados, plane- jados, produzidos e publicados, a pos- sibilidade de seguir o mais fácil atro- pela o esforço de ser original. Papel indispensável Osartigoscientíficos são indispensáveis e muitas vezes inevitáveis, porque tra- zem descobertas que o jornal concor- rentepodepublicar, gerandoummedo de ser furado que resulta na homoge- neização das pautas de ciência. Se seu uso não for bem dosado com autono- mia e determinação, os papers podem ser perigosos e desvalorizar o trabalho jornalístico, por inibirema imaginação, e porque fazem comque os jornalistas assumamos valoresdos cientistas, para quem os artigos são muito importan- tes para avançarem na carreira acadê- mica. Issodificultaaformulaçãodeuma agenda própria, compautas realmente originais e atraentes para os leitores. O tempoque os papers permitemganhar, por trazeremdescobertas científicas já organizadas, raramente éusadona for- mulação e na produção de pautas ori- ginais, desvinculadas de artigos, ainda que esses novos temas possam contar comeles comoparteda argumentação. Toda semana, os jornalistas que tra- balhamnessa área recebemos boletins para repórteres cadastrados enviados pelas principais revistas científicas, como Nature , da Inglaterra, e Science e Proceedings of theNational Academy of Sciences (PNAS), dos Estados Uni-
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