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32 outubro | novembro | dezembro 2014 dos, com resumos de artigos e os con- tatos dos autores, demodo a favorecer a realização de entrevistas e reporta- gens sobre trabalhos que em alguns dias serão liberados publicamente. Na quinta e sexta-feira de cada semana, quem se cadastrou receberá também os sumários das edições recém-publi- cadas das revistas científicas semanais, como Nature e Science , commais arti- gos enotícias. Alémdisso,muitasoutras revistas oferecema possibilidade de se cadastrar para receber o sumário das edições seguintes. Oferta contínua Em seguida, tão logo são publicados, os artigos vão para as bases de artigos, comoaPubMed, especializadaemarti- gos médicos, ou a Scielo, no Brasil, e podem ser pescados facilmente pelo Google Acadêmico (exemplo rápido: digite “diabetes Recife 2014” no Goo- gle Acadêmico e encontrará os traba- lhos mais recentes nessa área; no Pub- Medbasta “diabetesRecife”, porque os artigosgeralmenteaparecememordem cronológica). Enfim, é fácil encontrar coisas interessantes em qualquer área da ciência, até mesmo sem procurar. Essa oferta contínua de papers sim- plificou bastante o processo de produ- çãodematérias ounotas sobre ciência: basta escolher um artigo, ler o resumo ou atémesmo o artigo inteiro, escrever ou ligarparaoautor, perguntandosobre suasmotivações, conclusões e expecta- tivas – o autor provavelmente respon- derá comatençãoporque teminteresse em divulgar amplamente seu trabalho –, acrescentar os comentários, e a nota oureportagemestápronta.Oproblema é como fazer boas pautas com os – ou apesar dos – artigos. Os artigos científicos são muito importantes para os cientistas, que dependem deles para comunicar os resultados de seus trabalhos e, desse modo, avançar na carreira acadêmica. A produção e publicação desse mate- rial é parte do ritual acadêmico, que Bruno Latour e Steve Woolgar anali- saramcommaestria e humor em Vida de Laboratório: a Produção dos Fatos Científicos (Relume Dumara, 1997) enquanto acompanhavam o trabalho de uma equipe em um laboratório de pesquisas médicas no Instituto Salk, emLa Jolla, Califórnia, Estados Uni- dos. Latour e Woolgar questionaram vários pressupostos que envolvem o trabalho científico, e os pesquisa- dores simplesmente não entendiam por que eles ou os visitantes deve- riam duvidar dos resultados de um equipamento que identificava pro- teínas. Ao menos para os cientistas que trabalhavam naquele momento no laboratório que eles acompanha- ram, o principal objetivo do trabalho era produzir papers , vistos como um objeto, tal qual um bem manufatu- rado. Os papers , ao exporemos resul- tados de experimentos realizados por meio de equipamentos e métodos de trabalho reconhecidos como válidos por especialistas da mesma área, são o principal meio pelo qual os cientis- tas constroema autoridade científica. Os autores continuam o raciocínio em outro texto, “The Cycle of Credi- bility” – que faz parte da obra Science inContext. Readings in the Sociology of Science (MiltonKeynes, England: Open University Press, 1982) –, no qual afir- mam que os artigos permitem a con- versão entre dados, dinheiro, prestí- gio, credenciais, argumentos, estudos científicos e assimpor diante, fazendo a pesquisa prosseguir. Portanto, para os cientistas, quanto mais artigos – e quantomais lidos forem–,melhor, por- queumdos critérios atuaismais impor- tantes de avaliação da produtividade acadêmica noBrasil temsido a quanti- dade de artigos científicos publicados. Os jornalistas tambémsofremdessa avidezpor evidências deprodutividade acadêmica. Para engordar a própria produção, muitas vezes os pesquisa- dores incluem em seus currículos na Plataforma Lattes, a vitrine da ciência brasileira, as entrevistas dadas a jor- nalistas ou reportagens para as quais eles foram fontes, nomeando-se como autores únicos ou às vezes até conside- rando a coautoria (em segundo lugar) dos jornalistas. Em2012, umpesquisa- dor de SãoPaulome escreveu pedindo meu CPF para provar a uma agência de financiamento à pesquisa que ele tinha sido coautor de uma reportagem que eu tinha feito para a NatureMedi- cine , na qual ele aparecia apenas como entrevistado; não respondi, emdúvida se ele entenderia a diferença entre ser um entrevistado e coautor. Para os jornalistas, porém, os papers não deveriam ser tão importantes quanto são para os cientistas. Talvez pareça cruel dizer que, do ponto de vista jornalístico, os artigos científi- cos representam notícias velhas com cara de novas, como a compra de uma empresa por outra que só pode ser noticiada após a aprovação oficial do governo. As descobertas relatadas nos artigos recém-publicados foram na verdade feitas há um ou dois anos –

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