RJESPM 11
revista de jornalismo ESPM | cJR 51 o título “Sem faltar com a verdade”). Achei deprimente o trecho do artigo sobre aquele time de primeira no York DailyRecord , umjornal da Pensilvânia, buscando a todo customanter a sere- nidade enquanto tenta fazer a mes- cla de digital e impresso funcionar. Sua missão, infelizmente, soa quase insana em sua complexidade frag- mentada, sem foco. Amoral da histó- ria é a seguinte, segundo o autor, Marc Fisher: “Na redação do Record , tanto veteranos quanto novatos dão muita importância à verdade e a padrões. Mas a ambição do jornal hoje émenor, sua cobertura diária, menos abran- gente. Os editoresmemostraram, com orgulho, exemplos do estelar trabalho que haviam feito recentemente: uma série sobre diabetes; um admirável projeto de longo prazo para narrar as agruras de veteranos de guerra na volta a casa. Mas qualquer noção de uma cobertura completa e regular das cidades da região, a principal função do Record no passado, simplesmente se perdeu”. Enquanto isso, a publici- dade no impresso continua emqueda em todo o setor. Isso posto, tambémhá sinais alenta- dores. Graças ao ensaiona Harper’s , fui convidado para uma longa entrevista no Weekend Edition , na rádio pública americana NPR – o que sugere que há gente atenta a esse debate. E foi com prazer que registrei a animadora notí- cia de que quatropublicações até então exclusivamente digitais – Los Angeles Review of Books, Politico, Pitchfork e Pando – lançaram edições impres- sas. Por todo lado, surgem paywalls . Algumas são fajutas, como a nova ver- são na Slate , em que o lançamento de um programa para pagantes, o “Slate Plus” (que promete ao leitor “acesso exclusivo a seus escritores e editores favoritos da Slate ”), oculta o fato de que todo o texto da revista continua de livre acesso. Já o paywall do Minnea- polis Star-Tribune , que temquase três anos, é sério. O do Newsday , também. Na França, o XXI , que tem periodi- cidade trimestral, e o semanário Le Canard Enchaîné seguem registrando um lucro saudável – sem publicidade ou conteúdo na internet. Tenho certa esperança de que a Europa acabará liderando o cerco ao Google e obri- gando esse imenso parasita a pagar toda publicação, autor e fotógrafo pelo direito de dar links para seus artigos e fotos. Aqui, a lei alemã é a mais rígida, embora de difícil aplica- ção, pois exige que editoras entrem na Justiça para cobrar do Google a indenização por aquilo que, com justa razão, consideram roubo. Conduta paternalista Um fato crucial é que jornalistas e lei- tores começama perceber que a publi- caçãona internet, incluindooconteúdo livre, é outra versão de The God That Failed ( ODeus Que Falhou ), uma cole- ção de ensaios de ex-comunistas desi- ludidos como produto final da ideolo- giamarxista ou soviética [ editada pelo britânico Richard Crossman e lançada em1949 ]. Embora suametamaior seja muito distinta das que os comunistas tinham naquela época, defensores do jornalismo supostamentedemocrático, 100%digital e “ crowdsourced ” exibem muitos dosmaneirismos presunçosos, arrogantes e paternalistas de marxis- tas de carteirinha. Esse pessoal é o que chamo de “digitalmente correto” – obviamente, um jogo com “politica- mente correto”, o termo cunhado anos atráspara criticar e ridicularizar a linha do partido comunista. Arthur Koes- tler, umdos ensaístas, assimdescreveu a mentalidade do comunista alemão: Tantomoral como logicamente, opar- tido era infalível: moralmente, porque seus fins eram certos, isto é, de acordo com a dialética da história, e esses fins justificavamtodososmeios; logicamente, porque o partido era a vanguarda do proletariado, e este, a corporificação do princípio ativo na história. Isso faz lembrar omote “a informa- ção quer ser livre”, que é pura hipocri- sia, e a tese de que amorte do impresso é inevitável, queatéaqui seprovoufalsa. Não vou estender ainda mais essa analogia, mas devo dizer que meus críticos são tão obscuros, ocasional- mente tão intolerantes e certamente tão desprovidos de humor quanto um militante do Partido Comunista da década de 1930. Sigo ouvindo a lorota de que, no final, tudo vai dar certo, pois a oferta irrestrita de con- teúdo grátis na internet é um con- ceito revolucionário e democrático situado do lado certo da história – um conceito e um movimento tão inevitáveis quanto a morte do capi- talismo prevista por Marx. Esse tom condescendente está em toda parte hoje em dia. Há pouco, a revista lite- rária The Threepenny Review recorreu aos leitores para compensar a perda de uma dotação de 12.500 dólares do National Endowment for the Arts (NEA), que havia mais de 20 anos apoiava essa publicação de alta qua- lidade. Segundo a editoraWendy Les- ser, embora ainda consideremde pri- meira o conteúdo da revista, os buro- cratas doNEA, uma agência indepen- dente do governo federal americano, “achamque estamos ‘comprometidos demais como impresso’”. Essa é a voz de um comissário da cultura, não de um amante da literatura. Abraçar semreservas odigitalmente correto é ser, basicamente, refém de práticas monopolistas controladas por gigantescas multinacionais. O tom bitolado e fanático dos ideólo- gos do digital deve ser examinado e questionado. O mesmo vale para o comportamento suicida de anuncian- tes, que desertaram emmassa de jor- nais e revistas pela promessa de for- tuna no digital. A abordagemdigital à publicidade encerra uma falácia fun-
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