RJESPM 11
52 outubro | novembro | dezembro 2014 É preciso defender o sistema de receber um valor justo pelo árduo esforço de apurar e narrar os fatos, e não apostar as fichas no conteúdo de livre acesso damental, já que o anunciante preza, acima de tudo, a retenção e o “recall” de umamensagem. Anunciantes, edi- tores e educadores deviam ler com muitomais atenção estudos acadêmi- cos recentes que demonstram que o leitor entende melhor frases impres- sas em papel do que frases construí- das com pixels em telas. Ano passado, três acadêmicos noruegueses publicaram os resulta- dos de um estudo de compreensão de texto com jovens de 15 e 16 anos, todos de classe média e cursando o ensino médio. Segundo o trio, “indivíduos que leram textos em papel tiveram um desempenho consideravelmente melhor do que indivíduos que leram textos na tela do computador”. Entre as possíveis explicações: “rolar o texto [ scrolling ] sabidamente dificulta o processo de leitura”; “leito- res no grupo do papel tinham acesso imediato ao texto em sua totalidade”; ou, como sugerido por outro estudo por eles citado, “a percepção comum de apresentação na tela como fonte de informação destinada a mensagens superficiais pode reduzir a mobili- zação de recursos cognitivos neces- sários para uma eficaz autorregula- ção”. “Ou vai ver, simplesmente, que a iluminação usada em telas de LCD cause ‘fadiga’.” Poço sem fundo Outro estudo, apresentado em2011 por três doutorandos da University of Ore- gon, constatou que “leitores do jorna- lismo impresso recordam considera- velmente mais notícias do que leitores do jornalismoon-line”. A lembrançade títuloserapraticamenteidênticanodigi- tal eno impresso,masoestudodemons- traque“odesenvolvimentode formatos dinâmicos de textos digitais na última década pouco contribuiu para que se tornassem mais memorizáveis do que textos impressos”. É má notícia para vendedores do digital, que seguem ins- tando editores a jogarmais dinheiro no poço sem fundo da “inovação” digital. Fazendo coro ao estudo norueguês, os autores no Oregon afirmam: Pesquisadores apontam não só para a natureza fixa da notícia impressa, mas para o fato de que toda essa informação geralmente está disponível em uma ou duas páginas. O conteúdo on-line, que às vezes é interrompido por um anún- cio digital no meio do texto, com frequ- ênciaapareceouestádisponível empági- nasdistintasdositedeumjornal, sobdis- tintas chamadas; o caráter disperso da notícia on-line, conjugado a sua natu- reza fugaz, torna a experiência do con- sumidor no meio digital muito distinta da de um leitor do impresso. Para sustentar meu argumento, no entanto, ainda prefiro um episódio relevante do método científico. Em 1998, a campanha publicitária “Think Different”, daApple, aparecia emtudo quantoé lugar –emoutdoors, emrevis- tas, emjornais.Menosna Harper’s . Irri- tado com a agência de publicidade da Apple, decidi escreverparaopresidente da empresa na época, Steven P. Jobs – numa folha de papel enviada por cor- reio num envelope selado. Na carta, datada de 22 de janeiro de 1998, recla- mei que os anúncios da Think Diffe- rent estavam sendo veiculados “em revistas cuja especialidade era, basi- camente, reciclar opiniões ortodoxas”. Que tal provar uma “revistapara mave- ricks ?”, perguntei. Dois meses depois, recebemos uma ordemde inserção de umanúncioda campanhaThinkDiffe- rent na ediçãodemaioda revista. Acho que o Steve Jobs lia a correspondên- cia em papel que recebia. ■ john r. macarthur é publisher da revista americana Harper’s Magazine . Textos originalmente publicados na edição de julho/agosto de 2014 da CJR.
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