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58 outubro | novembro | dezembro 2014 das pelo governo Bush na controvér- sia do Iraque. Emuma nota extraordi- nária assinada pelos editores, o jornal reconheceuquepartede sua cobertura tinha sido pouco rigorosa, mal elabo- rada e baseada em fontes inclinadas a derrubar o regime. A redenção para a cobertura do Iraque veio pela cautela extrema no caso da Síria. Novo ambiente de comunicação O conflito na Síria se desenrolou em um panorama de comunicação muito diferente daquele de 2002 e 2003. As barreiras entre jornalistas e pessoas comuns tinham desmoronado. Muito do que omundo sabe sobre os comba- tes na Síria vemde vídeos não verifica- dos, posts emredes sociais e canais fei- tos por gente comum. Grupos deobser- vadores, como oViolationsDocumen- tation Center e a Syrian Network for HumanRights, documentama guerra de perto. Outras organizações, como o SyrianObservatory forHumanRights e o blog BrownMoses, fazemsua cober- tura de fora da Síria, mas movimen- tam contatos no país e utilizam ferra- mentas de tecnologia como o Google Earth para verificar o material bruto que recebem. Ainda assim, as redações se atra- palham ao tentar aplicar padrões tra- dicionais de verificação ao conteúdo que vemde fontes desconhecidas. “Eu não consigo assistir a umvídeo e saber quando, ondeeporquemfoifilmado, se oqueestouassistindoaconteceudever- dadeouseaquiloéencenação”,informa Michael Slackman, editor adjunto de internacional do New York Times . O conteúdo independente produ- zido por cidadãos sírios poderia ser completo e convincente.Mas também poderia ser tendencioso, porquemui- tos desses cidadãos eramativistas ten- tando derrubar Assad. Em2013, quandoosgovernos francês e inglêsafirmaramquehaviaevidências biológicas dousode armas químicas, o Times tentou verificar essa declaração demaneira independente e enviouum repórter ao sul da Turquia para acom- panhar o transporte das amostras bio- lógicas encaminhadaspara testes (para que o teste seja considerado confiável, o transporteeamanipulaçãodas amos- tras devem seguir regras específicas). O repórter não conseguiu confir- mar se aquelas amostras eram verda- deiras, então o jornal decidiunãonoti- ciar o uso de armas químicas. Em vez disso, ele descreveu circunstâncias do suposto uso de armas químicas como incertas. Esta se tornou a abordagem dosmeios de comunicação: transmitir as informações com restrições. Três organizações de imprensa – Le Monde , BBC e GlobalPost – consegui- ram enviar repórteres aos locais em que supostamente ocorria o uso das armas químicas. Seu relato, no ano passado, foi mais vívido e detalhado que o da concorrência. Mesmo assim, esses repórteres precisavam restrin- gir suasmatérias por causa da dificul- dade em provar cientificamente que agentes tão letais quanto o gás neu- rotóxico sarin haviam sido usados, como diziam testemunhas e vítimas. Tracey Shelton já havia entrado e saído sorrateiramente da Síria durante váriosmeses, trabalhando para oGlo- balPost, quando escreveu uma maté- ria no fim de abril de 2013, contando que armas químicas tinham sido usa- das em Sheikh Maqsoud, um bairro no extremo norte deAleppo. Seus edi- tores analisaram imagens feitas com celular e entrevistas que Shelton fez com testemunhas e combatentes, que juntos mostravam um quadro horrí- vel de violência e sofrimento. Plena- mente conscientes das consequên- cias de afirmar categoricamente que armas químicas tinhamsidousadas, os editores chamaramespecialistas para avaliar os sintomas descritos na repor- tagem. Eles concluíram que parecia pouco provável que o ataque tivesse sido realizado com sarin, substância que, embora proibida, acreditava-se que era abundante no arsenal sírio. Tremores e pupilas contraídas – um quadrochamadomiose–sãoosprinci- pais sintomas da intoxicaçãopor sarin. Enquantoalgumas das vítimas descre- viam os tremores, ninguém, incluindo os médicos entrevistados por Shelton, relatoumiose. Eles tambémconfirma- ram que um ataque com sarin como o relatado na reportagem afetaria qual- querumquetivessecontatocomasubs- tância, incluindo equipes de resgate. Uma pequena quantidade poderia ser letal. A manchete da matéria de Shel- ton reflete a dúvida: “Síria: o terrível ataquecomarmasquímicasqueprova- velmentenão foi umataquecomarmas
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