RJESPM 11

revista de jornalismo ESPM | cJR 67 o Dart Center for Journalism and Trauma, uma organização sem fins lucrativos cuja missão é melhorar a cobertura, na mídia, de situações de trauma, violência e conflito. Só que esse gênero de cobertura também lança o jornalista num ter- reno ético incerto. Emdezembro pas- sado, quando o NewYork Times publi- cou a matéria “Invisible Child”, um texto de 28 mil palavras da repórter Andrea Elliott sobre uma garota de 12 anos do Brooklyn, a sem-teto Dasani Coates, a ombudsman do jornal decla- rou que o material fora a mais longa investigação já publicada pelo jornal de uma tacada só. Operiódico fez uma parceria coma Legal Aid Society para receber a enxurrada de doações feitas a Coates, que da noite para o dia virou um símbolo da desigualdade no país (vestindo umcasaco comgola de pele, amenina foi apresentada como convi- dada de honra na cerimônia de posse da defensora do cidadãodeNovaYork, Letitia James, em janeiro). Quando a reportagem foi esnobada pelo Pulitzer, certos jornalistas pas- saram a atacar o processo de Elliott – assim como o público criticara o pro- cesso de Nazario 15 anos antes: por que a repórter não deu o sobrenome deCoates? Apresença de Elliott tinha permitido que a menina interagisse de outra forma comomundo? E onde estava a repórter quando a garota se encontrava emperigo?A CJR deudois textos no site que resumiam a reação polarizada à reportagem: um deles criticava o que o autor e outros consi- deraramo juízoquestionável do Times ; o outro tratava a matéria como uma obra-prima. Num momento em que formatos e premissas do jornalismo estão sendo redefinidos – quando o muro que separa fontes e jornalistas é regularmente transposto e a própria definição de “jornalista” é debatida –, as normas que um repórter deveria seguir na hora de escrever sobre os desfavorecidosficamaindamais vagas. Limites menos nítidos Mais de 20 anos depois de ter acom- panhado a rotina de Lafayette e Pha- roah Rivers – dois garotos de umcon- junto habitacional de Chicago – para escrever o livro There Are No Children Here , uma obra seminal de não ficção sobre as forças da pobreza, AlexKotlo- witz ainda recebe e-mails de leitores curiosos para saber o que aconteceu com os meninos. Kotlowitz vê nisso um sinal de que seu trabalho – para o qual cunhou a expressão “jornalismo de empatia” – teve o efeitodesejado. Já seu papel de responder à questão lan- çada por leitores é complicado. Enquanto fazia, para o Wall Street Journal , a reportagem que serviu de base para o livro, Kotlowitz aderiu rigorosamente ao código do jornal: não influenciar os fatos, manter limi- tes objetivos e, acima de tudo, não trocar dinheiro com fontes. Mas, à medida que a reportagem evoluía de especial para o jornal a projeto de livro, foi ficando difícil manter essa separação. Quando um membro da família dos garotos foi parar na cadeia – devido, em parte, a algo que Kotlo- witz contara num dos textos da série –, o jornalista usou parte do prêmio emdinheiro que recebera para pagar a fiança. Seguiu em estreito contato com os dois meninos e ajudou-os a conseguir bolsas para escolas melho- res. Depois do lançamento do livro, em 1991, Pharoah, então com 12 anos, viveu durante seis anos com Kotlo- witz e a mulher. Até amais firme das barreiras entre jornalista e personagem – o dinheiro – pode facilmente ruir quando fon- tes com tão poucos meios doam tanto tempo ao repórter. Kotlowitz divide comos rapazes todaarendaobtidacom o livro, uma decisão que justifica sob a tese de que não mudaria os fatos, já que o acordo foi feito depois da publi- cação. Kotlowitz voltaria a enfrentar o dilema anos depois, quandouma fonte de outro livro que pretendia escrever pediuparteda renda jáde cara. “Liguei para vários escritores, foi surpreen- dente a variedade das respostas que Para muita gente, escancarar a miséria e a exploração é a melhor maneira que um repórter tem de combatê-las

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