RJESPM 11
72 outubro | novembro | dezembro 2014 para assinar uma revista semanal por umano, o leitor brasileiro paga em média 430 reais. Em troca, recebe na sua casa o produto, umcompilado das principais notícias selecionadas por editores que muitas vezes ele desco- nhece – e segundo critérios que rara- mente são explicitados de maneira aberta e transparente. Oassinante tam- pouco tem alguma influência sobre a facemais visível da publicação, ou seja, os seus autores, de forma que, quando a diretoria resolve “enxugar” opessoal, ele é oúltimo aficar sabendo. Não cabe a ele opinar sobre como é gasto o seu dinheiro. Sua participação se limita a ler a revista; se tiver alguma crítica ou sugestão, pode escrever uma cartapara a seção do leitor ou reclamar no setor de relacionamento como cliente. Seu papel como financiador é pequeno. Se decidir assinar a publicação, o que ele vai receber é o mesmo produto que todos os outros leitores e assinantes. Se não assinar, a revista seguirá exis- tindo assimmesmo. Isso tudo pode parecer óbvio, mas é fundamental para entender o que tem levadomilhares de pessoas a gas- taremo seu dinheiro comprojetos de jornalismo que ainda nem existem, por meio do mecanismo do finan- ciamento coletivo, ou crowdfunding . A Agência Pública, da qual sou uma das diretoras, encerrou há cerca de três meses um grande projeto nesse modelo, o Reportagem Pública, que financiou 12 bolsas para jornalistas realizarem a reportagem dos seus sonhos de maneira independente. Durante a campanha de arrecada- ção, que durou 45 dias entre agosto e setembro de 2013, conseguimos reu- nir 58.935 reais de 808 apoiadores, uma média de 72 reais por apoiador. Em troca, publicamos 12 reportagens investigativas ao longo de seis meses no nosso site e na nossa rede de repu- blicadores ( já que funcionamos como uma agência). Não é tanto, se compa- rado coma quantidade de reportagens que uma revista consegue produzir a um custo de cerca de 12 reais por edi- ção. Mas quando se fala de crowdfun- ding seestá falandodeummodelocom- pletamente diferente. O foco é a quali- dade e não a quantidade. Enão se trata de qualidade jornalística apenas, mas de experiência. Não se trata de uma relação entre fornecedor e consumi- dor,masdealgo simbolicamentemuito mais complexo: a integração do leitor no fazer jornalístico. E é por isso que combina tão bem com a nova era da produçãodo jornalismopós-industrial. Rápido crescimento No Brasil, o crowdfunding para jor- nalismo, no modelo atual, surgiu em 2011, como lançamento da plataforma Catarse. Umde seus quatro primeiros projetos era jornalístico: foi oCidades paraPessoas, da jornalistaNatáliaGar- cia, que conseguiu arrecadar mais de 25 mil reais para financiar viagens da repórter a 12 cidades, para conhecer e relatar soluções urbanísticas que pri- vilegiam o bem-viver nas metrópoles. O projeto, que segue até hoje, car- rega do seu financiamento inicial a liberdade editorial, inclusive de for- matos multimídia e outros que ultra- passamo site, incluindo exposições e intervenções artísticas. Assim, tornou- se em três anos referência e conquis- tou outras fontes de recursos, como curadorias e palestras. Antes de a pro- posta ser lançada no Catarse, Natália Garcia a estava negociando como por- tal do Estado de S. Paulo . Ponderou que, se decidisse por esse caminho, teria grande exposição, mas seria obri- gada a dividir os créditos como jornal (que iria inclusive palpitar no nome do projeto), ceder o conteúdo como propriedade intelectual da empresa e alinhar-se às suas estratégias e à sua marca. Foi então que Natália prefe- riu abrir essa nova fronteira no Bra- sil, e com isso revestiu seu projeto de outra característica que temmarcado os projetos jornalísticos financiados por crowdfunding : a inovação. O surgimento e vertiginoso cresci- mentodo crowdfunding noBrasil –não só aquele circunscrito ao jornalismo, mas a diversas áreas – surpreendeu a O povo paga O financiamento coletivo surge como alternativa econômica para levar adiante projetos investigativos com a participação dos leitores por natalia viana
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