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74 outubro | novembro | dezembro 2014 No casodo jornalismo investigativo, o problema é ainda mais complexo. Queríamos queopúblicopudesse con- tribuir não sódoando,mas como infor- madores e colaboradores dos repórte- res, trazendo contatos, dados, fontes que poderiam ajudar na reportagem. Mas os jornalistas investigativos têm natural resistência, por exemplo, em abrir sua pauta. Alémdisso, informa- ções vindas do público teriamque ser checadas e rechecadas, o que poderia gerar ainda mais trabalho. Mas acha- mos, mesmo assim, que valia a pena, e conseguimos encontrar jornalistas abertos para essa nova experiência. O projeto funcionou desta forma: os apoiadores podiam doar a partir de 20 reais, depois 50, 100 e dali por diante. Dependendo do valor doado, receberiam uma “recompensa” pela doação–desdeadesivos, onomenosite da Pública como apoiador, até livros dos nossos conselheiros, como Eliane Brum, Leonardo Sakamoto e Carlos Alberto Azevedo. Alémdisso todos os doadores, independentementedovalor despendido, poderiavotarnas 12repor- tagens que receberam 6.000 reais e a mentoria da Pública para serem rea- lizadas por jornalistas independentes. Abrimos, em seguida, uma cha- mada para jornalistas enviarem suas propostas de reportagem, exigindo uma pré-apuração consistente, expe- riência em realizar reportagens de campo e um plano de trabalho deta- lhado. Foram cerca de 150 propostas. Selecionamos as 45mais promissoras e criamos uma página especial com um resumo de cada proposta. Nesse hotsite , os doadores recebiam uma senha para votar nas suas preferi- das, além de poderem compartilhar nas suas redes a reportagem de que mais gostaram e adicionar informa- ções ou fontes, estando em contato direto com os repórteres. Doadores arregaçam as mangas Uma vez eleitas, as reportagens foram produzidas em um período de dois a quatro meses, com nossa coorde- nação e edição, e foram publicadas durante o primeiro semestre de 2014. Oresultado foramséries demuita qua- lidade, como a denúncia sobre casos de explosões de Vectras fabricados pela GM no Brasil; um levantamento extensivo sobre a negação do direito das mulheres ao aborto nos casos em que é permitido por lei; umperfil das quatro empreiteiras quemais se bene- ficiaram com as obras para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas no Rio de Janeiro; e uma reportagem sobre a luta dos moradores de São Lourenço (MG) contra a exploração das águas minerais pela Nestlé. Alémdisso, convidamos os 808doa- dores dos projetos para participar de uma lista de discussão comos repórte- res e as editoras da Pública. Por meio dela,mandamos notícias sobre o anda- mento das pautas, o uso dos recursos no projeto, o envio das recompensas e discutimos soluções para aquelas ideias que não haviam sido financia- das (uma delas foi viabilizada, depois, pormeio de sua própria campanha de crowdfunding , e outra recebeu apoio de uma revista para se tornar reali- dade). O grupo segue ativo até hoje e tem sido fonte de informações para trabalhos acadêmicos. Quase tão importante quanto a par- ticipação durante a elaboração das reportagens foi o apoio dessa comu- nidade à sua disseminação, uma vez publicadas. Os participantes foram avisados na véspera e se engajaram bastante no processo, enviando links por e-mail aos seus conhecidos, com- partilhando textos via redes sociais, recomendando a leitura e sugerindo veículos que poderiam republicar as reportagens (todas elas, como tudo na Agência Pública, foram distribuí- das sob licença Creative Commons, permitindo o livre uso, desde que sem alterações e com o devido crédito). Graças a esse esforço coletivo, as reportagens foram compartilhadas nas redes sociais emmédia duas vezes mais do que as outras matérias da Pública. A reportagemquemais rodou nas redes, “Quantomais presos, maior O crowdfunding combina com a era do jornalismo pós-industrial porque derruba a relação viciada entre fornecedor e consumidor

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