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78 outubro | novembro | dezembro 2014 Furtado tampouco explora al- go que poderia ser a chave pa- ra uma melhor compreensão do jornalismo: um grande jornal paulistano jamais embarcou na história errada. Uma análise de como o Diário Popular percebeu desde o primeiro dia que tudo cheirava a equívoco poderia en- sinar muito sobre comportamen- tos errados e certos da impren- sa. Mas forçaria também a ad- missão de que o erro do resto da imprensa não foi por razões es- senciais à atividade dos jornais mas por questões episódicas. E de que o erro não ocorreu por alguma decorrência de compor- tamento classista da “imprensa burguesa”, pois tanto jornais que erraramquanto o que acertou ti- nham os mesmos perfis sociais, de donos e empregados. ■ ■ ■ Das muitas declarações dispa- radas pelos entrevistados, du- as de Paulo Moreira Leite cha- mam atenção pela aparente ra- dicalidade: primeiro, ele alega que a imprensa brasileira tem uma visão econômica extre- mamente conservadora, para quem mesmo o estado de bem- -estar social é inaceitável; de- pois, diz que a discussão sobre a influência da publicidade ofi- cial para sustentar a imprensa chapa branca só foi lançada pela imprensa conservadora depois que Lula foi eleito presidente e aumentou investimentos emveí- culos favoráveis ao governo. As duas opiniões não resis- tem a uma pesquisa simples na internet. Os jornais brasileiros não defendem ideias ultralibe- rais como as do citado austrí- aco Friederich Hayek; ao con- trário, cobram aprimoramen- tos em benefícios sociais e fre- quentemente apoiam o papel do Estado como indutor e co- ordenador de políticas eco- nômicas. Quanto à influência da publicidade estatal sobre a imprensa, foi tema de cam- panha publicitária da Folha de S.Paulo (“Rabo preso”) já nos anos 1980, logo após a rede- mocratização. O mesmo discur- so se acentuou quando o presi- dente Collor (1990-1992) cor- tou a publicidade do governo federal no jornal por sua cober- tura crítica. Naquele momento, a Folha se vangloriou de poder manter sua linha editorial sem preocupação com a retaliação oficial porque os anúncios pú- blicos correspondiam a menos de 5% de suas receitas (os fe- derais eram uma fração). Um olhar crítico não pode dei- xar de mencionar que vários dos entrevistados trabalhampara ór- gãos de imprensa dependentes de anúncios públicos. Não lhes foi feita a pergunta imperiosa: existe relação entre suas opi- niões favoráveis ao governo fe- deral e a publicidade oficial nos veículos em que trabalham? ■ ■ ■ O roteiro deixa passar duas oportunidades interessantes de aprofundamento de temas levantados no filme por decla- rações do experiente jornalista Luis Nassif. A primeira é quan- do ele alega que o sensaciona- lismo foi introduzido no Brasil, com ummodelo americano, pe- la Veja , nos anos 1960. O fun- dador da revista, Mino Carta, é outro entrevistado. Seria pro- veitoso confrontar a visão dos dois sobre o desenvolvimento da revista e da imprensa até chegar ao que criticam hoje. Há uma extensa bibliografia sobre o assunto no país, que começa no império. O Sensacionalismo (1931), de Carlos Sussekind de Mendonça, cita ensaio de 1888. Nassif tem uma longa história de embate com a semanal da editora Abril; como no adágio alemão, obcecado pela árvore, não viu a antiga floresta. Mas talvez o momento críti- co mais intenso que o filme dei- xa passar seja aquele em que o mesmo Nassif afirma que a cobertura do impeachment do presidente Fernando Collor foi marcada pelo “pior jornalismo até então”, cheia de equívocos. A declaração significa que a co- bertura que levou à queda do primeiro presidente eleito do país depois da ditadura militar foi baseada em defeitos? Se is- so é verdade, é necessário refa- zer a historiografia do período, pois a opinião pública brasileira desconhece isso. Se houve real- mente uma sucessão de equívo- cos, o filme deveria dar mais es- paço ao jornalista para explicar o que o espectador, majoritaria- mente, não sabe: quais foram os erros naquela cobertura? Além de cobrar mais profun- didade do entrevistado, nesse episódio o filme poderia ter “confrontado versões”, o que Mino Carta em outro momento diz ser tarefa essencial do jor- nalismo. A ideia de que Collor foi vítima de mau jornalismo se choca com o que é dito por vá- rios entrevistados sobre a co- bertura do governo Lula. Afinal, por que a imprensa foi crítica a Collor se ele não era barbudo (conforme a explicação de Mi- no Carta); se ele tinha um mo- delo econômico liberal (Paulo Moreira Leite diz que a impren- sa critica o governo Lula por ser economicamente ultraconser- vadora); se Collor era um mem- bro da elite (Bob Fernandes diz que os jornais atacam os petis- tas porque eles não são “do clu- be”); mais do que isso, se ele era dono de um conglomera- do jornalístico “burguês” (pa- ra usar expressão de Raimun- do Pereira), sócio de Roberto Marinho (o maior magnata da imprensa à época) e não havia qualquer diferença social que pudesse justificar uma “luta de classes” (que Janio de Freitas vê no embate entre a grande im- prensa e Lula). O filme não faz o confron- to de versões e de memória. Se fizesse, diretor e entrevista- dos talvez tivessem que admi- tir que o jornalismo brasileiro apenas cumpre o destino pres- crito por Millôr Fernandes, cita- do no filme: “Imprensa é oposi- ção, o resto é armazém de secos e molhados”. ■ OMercado de Notícias Roteiro e direção: Jorge Furtado Brasil, 2014

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