RJESPM 11
revista de jornalismo ESPM | cJR 7 Para ter elementos de contraposição às falsificações his- tóricas, deturpações numéricas e promessas despirocadas da propaganda eleitoral, a sociedade precisa da imprensa independente. Desta vez, entretanto, os partidos expul- saram os jornalistas dos debates. E nós dissemos amém. o brasil passou por mais uma temporada eleitoral, na rotina bianual a que se submete para escolher seus diri- gentes. Mais uma vez, não foram poucas as queixas sobre o baixo nível comque os candidatos tentaramobter votos e não faltaramacusações contra veículos de comunicação por suposta preferência por partidos ou propostas. Infe- lizmente, a imprensa ajudou pouco. Não por ter ou não ter recomendado o voto em um ou outra. Diferentemente de outros países, onde os órgãos de imprensa têm posição partidária clara (França, Ingla- terra) ou pedem ao público, em editoriais, que vote nos candidatos de sua preferência (Estados Unidos), a tra- dição brasileira tem sido manter a neutralidade. A exce- ção, entre os grandes jornais, é O Estado de S. Paulo , que aponta em editoriais o candidato de sua preferência (como fez desta vez, com Aécio Neves, do PSDB). Mas, embora muita gente se incomode com isso, a verdade é que não importa muito se um jornal ou uma revista externem (ou deixem de externar) o apoio a uma can- didatura nas páginas em que expressam sua opinião. Não é aí que eles são indispensáveis. O fundamental é que exerçam o papel de fiscalizar com independência a verificação dos fatos. No calor da campanha, os partidos, os políticos e os governos distorcem cifras e dados. Embora não seja vir- tuoso, é natural que seja assim. Candidatos defendemum lado, ora pois, e tendem a usar os fatos para fortalecer o próprio argumento. A tal ponto que, se ficasse apenas a cargo dos partidos, o eleitor teria de decidir com base em mentiras (de um lado ou de outro). É também por isso, enfim, que a democracia precisa de imprensa livre. Pela mesma razão, é por isso que os debates eleitorais, para serem realmente informativos, precisam de jornalistas. Sem repór- teres críticos, as mistificações produ- zidas pelo mau marketing partidário ficam falando sozinhas. Acontece que a vida não é fácil. Assim como nenhum governo morre de amores por jornais independentes, não há partido político que idolatre repórteres. Agora, em 2014, nós tive- mos mais uma prova disso. Os jorna- listas foram simplesmente proibidos (pelo marketing intolerante) de par- ticipar dos debates entre os candida- tos à Presidência no segundo turno. Os confrontos entre Dilma e Aécio não tiveram a partici- pação de jornalistas na Band (14/10), no SBT (16/10), na Record (19/10) e na Globo (24/10). O veto veio dos dois partidos. É incrível: o PT (de Dilma) e o PSDB (de Aécio) discordamem tudo, mas nisso se puseramde pleno acordo. A Folha de S.Paulo até que protestou – e se retirou da organização de umdos debates (o do SBT) –, mas a impo- sição dos partidos prevaleceu. Na falta de entrevistado- res, Dilma Rousseff e Aécio Neves assumiram patetica- mente o papel de fazer as perguntas entre si. Na hora de responder, duelavam com pirotecnias numéricas sem nenhum compromisso com a precisão factual. Não havia nenhuma verificação dos dados para tirar a prova dos nove, pois não havia jornalistas no recinto. Foi desalentador. Alémdesse, omarketing antidemocrático–omau marke- ting eleitoral – produziu outros estragos. Em uníssono, PT e PSDB impuseram tantas restrições às entrevistas que deveriam acontecer com cada um dos candidatos na Rede Globo que a emissora resolveu cancelá-las. A sociedade saiu perdendo. Não que a imprensa seja absolutamente virtuosa. Ela não é, como esta revistamos- tra a cada edição. Erros, manipulações, má-fé e abuso da confiança pública abundam no noticiário, lamentavel- mente. Mas a imprensa é a única instituição capaz de fazer o contraponto às proclamações mitômanas do dis- curso do poder. Ela é indispensável para restabelecer a verdade elementar quando os candidatos deturpam ou falsificam a história e prometem sandices. Se não podemos imaginar democracia sem imprensa, por que abaixamos a cabeça para os debates sem jornalistas? ■ Omundo sombrio do marketing sem imprensa editorial
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