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34 janeiro | Fevereiro | marÇo 2015 doCapitalismo (Companhia das Letras, 2004).Webermos- trou a influência do calvinismo no desenvolvimento do capitalismo tal como o conhecemos. Himanen tentamos- trar que hackers desenvolveram uma ética do trabalho, do dinheiro e de vivência em rede muito distinta das éti- cas proeminentes no mundo industrial. Superar desafios lógicos e problemas complexos, compartilhar o conhe- cimento e buscar o prazer no aqui e agora, são elemen- tos constituintes desse estilo ético. Ressalto aqui que na pesquisa de Himanen, hackers consideram o lazer roti- nizado tão enfadonho quanto um trabalho de que você não gosta, mas é obrigado a realizar. Talvez a frase que expresse melhor a principal motivação hacker seja a que forma o título do livro do programador Linux Torvalds, criador do Linux: Só por Prazer (Boitempo, 2001). Por isso, David Diamond diz que Torvalds é um revolucio- nário acidental, que ajudou a promover uma das maiores turbulências no mundo das tecnologias da informação e comunicação, liberando para o desenvolvimento colabo- rativo o kernel (componente que gerencia os recursos do sistema e permite que os programas façam uso deles) do sistema operacional que havia compilado, o Linux. Mas fez isso por pura diversão. É perceptível que o universo hacker seja tão ou mais complexo que o universo do jornalismo. Interessante notar que tanto a imprensa quanto a doutrina liberal emergem e se consolidam na modernidade europeia. Aqui começo a trabalhar o vínculo e as possibilidades do jornalismo atual com a cultura hacker. Coleman e Golub trouxe- ram uma dimensão que é fundamental para os hackers, ou seja, a autossuficiência do indivíduo, a aposta no Do It Yourself . É curioso notar que no livro A Democracia na América , escrito no século 19, o pensador francês Alexis de Tocqueville havia descrito pessoas com traços com- portamentais e uma postura diante do Estado que certa- mente ajuda-nos a compreender a atitude hacker de ele- vada desconfiança do poder dos governantes. Vamos reto- mar a passagem do livro de Tocqueville retirada da obra de Coleman e Golub: O cidadão dos Estados Unidos é ensinado desde a infância até a confiar em seus próprios esforços, a fim de resistir aos males e às dificuldades da vida. Ele olha para a autoridade social com um olho de desconfiança e ansiedade, e ele pede sua ajuda apenas quando é incapaz de fazer sem ela. Coleman e Golub identificaram nos hackers típicos da cryptofreedom , também chamados de cypherpunks , as mesmas preocupações com o poder do Estado presentes entre os cidadãos observados por Tocqueville. O pessi- mismo ativo dos cypherpunks com a natureza intrusiva dos governos e corporações apesar de não poderem ser alocados politicamente à esquerda ou à direita, está mais próximo de umantimilitarismo libertário e pacifista, o que poderia definir uma ligeira queda à esquerda. Já a ativi- dade de transformar fatos e ocorrências sociais em notí- cias tem ligação com a instituição de sociedades demo- cráticas com compromissos liberais que se estruturaram em direitos e liberdades fundamentais nas sociedades modernas. Uma das mais importantes liberdades demo- cráticas é a liberdade de expressão, que sem a liberdade de imprensa poderia efetivamente ser anulada. Valores liberais O jornalismo e a cultura hacker são herdeiros de valo- res liberais, mas a cultura hacker ultrapassou tal origem. Ela clama pela liberdade irrestrita para o conhecimento e pela transparência total das informações. Se o libera- lismo cultiva o individualismo, o hackerismo se baseia em um individualismo colaborativo. O tipo ideal hacker defende o livre acesso aos bens informacionais – o que é o mesmo que lutar a favor de acesso igual a todos que buscama informação. Por isso, oWikiLeaks, umconjunto de jornalistas, ativistas e hackers, expressa tão bem esse momento histórico de profunda alteração na produção de notícias. A jornalista investigativa Natalia Viana foi de grande perspicácia ao escrever na apresentação da edi- ção brasileira do livro de Julian Assange, Cypherpunks: Liberdade e o Futuro da Internet (Boitempo, 2013), o que considero uma síntese do WikiLeaks: Foi assimque grande parte da imprensamundial travou con- tato com a filosofia do WikiLeaks. Tratava-se da aplicação radical da máxima cypherpunk “privacidade para os fracos, transparência para os poderosos” e do princípio fundamen- tal da filosofia hacker: “A informação quer ser livre”. Assange não é neutro, seu compromisso é com a radi- calização da democracia. Estados que precisamempregar a violência ilegítima, que praticam a vigilância massiva,

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