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40 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2015 Diane Bell-McCoy, presidente e CEO da Associated Black Charities, funda- ção pública de Maryland que investe em ações para o desenvolvimento da comunidade local. Com o presi- dente da WYPR ao meu lado, come- cei a minha tentativa pelo viva-voz. Baltimore era uma única região, mas com mundos completamente distin- tos. Nós contrataríamosmais umpro- dutor para ajudar a criar segmentos semanais sobre desigualdade e fecha- ríamos um contrato com engenhei- ros de dados e programadores para desenvolver uma plataforma intera- tiva para qualquer pessoa que qui- sesse entender como as desigualda- des e a segregação tinham surgido e se perpetuado no local. “Bela porcaria”, Bell-McCoy decla- rou tranquilamente. Eu estava tendo a tal conversa séria bem antes do que esperava. “Se você entrar emuma sala cheia de negros e disser que quer falar sobre classe social, eles vão enten- der ‘Eu não quero falar sobre raça’”, explicou. “The Lines betweenUs” (“As Lacu- nas entre Nós”), como a série acabou se chamando, ganhou um prêmio Du Pont – o equivalente ao Pulitzer no jornalismo de rádio e TV. Conforme eu apurava o material, o movimento Occupy chamou atenção para a dis- paridade de renda nos Estados Uni- dos, mas meu trabalho me atraía para uma outra história: o racismo estru- tural que perpetua essa disparidade, e as forças regionais características com que ele age. Os diferentes signi- ficados para “classe social” apontados por Diane Bell-McCoy foram as pri- meiras das muitas lições que aprendi ao fazer essa série. Quando Michael Brown foi morto por um policial em Ferguson,Missouri, emagostode2014, fui lembrado da importância dessas lições para os jornalistasmundo afora. Quando histórias sobre desigual- dade racial surgememum lugar como Ferguson, elas são rapidamente absor- vidas pelo debate nacionalmais amplo sobrequestões raciais. Osmeios nacio- nais de comunicação descem de seus pedestais, políticos e ativistas rou- bama cena, repetem-se os inevitáveis chamados para um diálogo “aberto”. A cobertura dos primeiros momen- tos gira em torno das emoções inten- sas provocadas pelo incidente, segui- das pela especulação sobre o signi- ficado de tudo aquilo para o país e seus valores. Primeiras reportagens Esse enredo simplista dá uma sen- sação reconfortante que pode levar a uma conclusão pouco lógica. As primeiras reportagens sobre Fergu- son se baseavam em números – de manifestantes, de prisões, de feridos – e em uma pesquisa superficial para determinar essa sensação. Ele tam- bém reduz o racismo ao comporta- mento exclusivo dos fanáticos, base- ado emum fato simbólico e forte que ocorreu em certo momento. As mãos deMichael Brown estavamerguidas? Foi o preconceito que fez o policial DarrenWilson ver uma ameaça onde não havia nenhuma? Mas a história de Ferguson – assim como a história de Trayvon Martin, jovem negro que em2012 foi baleado pelo segurança do condomínio fechado ondemorava, ou a história da “invasão de domicílio” de Henry Louis Gates, professor negro de Harvard que foi confundido com um invasor e preso ao entrar em sua própria casa – não é sobre umfato iso- lado. Não era só um contratempo na estrada de progresso dos direitos civis até uma era sem distinções de raça. O que não aparece nessa aborda- gem são as forças regionais de desi- gualdade racial – políticas públicas e conjunturas de moradia, sistema penal, escolas e a força de trabalho que permitem e mantêm essa desi- gualdade, e que fermentam a raiva, a desconfiança e a frustração que aca- bamcriando as circunstâncias emque jovens negros como Michael Brown são baleados. Umestudo de 2008 ela- borado pelo Maynard Institute for JournalismEducation – organização dedicada a ajudar os meios de comu- nicação a retratar comprecisão todos os segmentos da sociedade, em espe- cial as comunidades negras nos Esta- dos Unidos –, mostrou que o racismo estrutural é “raramente discutido” nos noticiários. É animador que, depois do espe- táculo que criou a avalanche das pri- meiras notícias, algumas das maté- rias seguintes tenham ido além da superfície da disparidade – há ape- nas três policiais negros emuma cor- poração de 53, em uma cidade majo- ritariamente negra, por exemplo –, em direção à raiz da desigualdade na região. Um retrato atual do subúrbio mais próximo a Saint Louismostra um monte de cidadezinhas lutando para crescer em uma economia comba- lida. “Empresas procurando um lugar para se instalar podem jogar esses pequenos municípios uns contra os outros para conseguir incentivos fis- cais, criando uma disputa que acaba tirando deles uma renda desespera- damente necessária”, escreveu Peter Coy para a Bloomberg Businessweek . Para obter receita, muitos des- ses municípios dependem de custas judiciais e multas que se acumulam sobre os moradores mais pobres, e podemlevá-los à prisão. Essas cidades “lucram com a pobreza”, de acordo como título de um longo artigo publi- cado no Washington Post pelo blo- gueiro Radley Balko, que se baseou em um relatório sobre os judiciários municipais feito pelo grupo de assis- tência judiciária ArchCityDefenders. Balko atribui as práticas dessas cida- dezinhas sem dinheiro a um “legado de segregação e racismo estrutural”,
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