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42 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2015 Mas, apesar de Saint Louis estar na nona posição no ranking das regi- ões mais segregadas, chegar ao fundo dessa desigualdade não parecia ser a maior preocupação dos meios de comunicação locais. Gordon classifi- cou a cobertura pós-Ferguson como “surpreendentemente boa”, conside- rando que o racismo estrutural tivesse recebido tão pouco destaque antes da morte de Michael Brown. Foi nesse vácuo que eu e meus colegas da WYPR tentamos atingir a região de Baltimore com“The Lines between Us”, que foi transmitido de setembro de 2012 a outubro de 2013. Nosso foco nos fatores estruturais se desenvolveu conforme pesquisamos emarquivos locais e nos livros de his- tória e descobrimos uma trama que liga as práticas de hoje ao passado: o mapa do risco financeiro de Bal- timore; um artigo de jornal de 1971 em que o secretário de habitação da cidade ameaçava expulsar osmorado- res pobres dos subúrbios nos projetos da cidade, na tentativa de fazer os con- dados vizinhos construíremsuas pró- prias moradias populares; um relató- rio domesmo ano feito pormovimen- tos sociais mostrando a margem de lucro embutida nos preços das casas por vendedores que faziam block- busting – os corretores contavam para os moradores brancos sobre os riscos representados pelos vizinhos negros e compravam suas casas por umpreço abaixo do demercado, para em seguida revender essas casas para famílias negras por um preço acima do de mercado. As dinâmicas regionais caracterís- ticas da nossa desigualdade apare- ceram em várias histórias. Quando foi dada a sentença no caso Brown vs . Conselho de Educação (entidade estadual que define as diretrizes para a educação na região), a segregação em Baltimore acabou, mas foi ado- tada a livre escolha: qualquer estu- dante poderia sematricular emqual- quer escola. Quase todos os estudantes brancos continuaram em suas esco- las, e um estudante negro que esco- lhesse estudar lá precisaria de trans- porte. Isso acabou fazendo com que os estudantes negros de classemédia deixassem seus colegas mais pobres para trás, nas piores escolas. Hoje, apenas 8% dos alunos das escolas da cidade são brancos. Ponto de vista Os jornalistas que querem fazer esse tipo de reportagemdevemadotar um “olhar de equidade”: as políticas e prá- ticas institucionais de um governo estão afetando um grupo específico de maneira desproporcional? Essa abordagem vai afastar os repórteres das nuvens de gás lacrimogêneo e das vitrines quebradas, e aproximá-los de histórias menos atraentes, mas mais significativas, como leis de zonea- mentomunicipais e relatórios federais sobre discriminação racial ou étnica emprogramas que recebam financia- mento do governo. Há muitas fontes. Para começar, o documentário Race: The Power of an Illusion ( Raça: OPoder de uma Ilusão ) mostra de um jeito brilhante a evolu- ção da desigualdade racial ao longo do século 20. Em dezembro de 2014, o Aspen Institute, dedicado a estudos na área de educação e políticas públi- cas para a formação de lideranças, e a Fundação Annie E. Casey, organi- zação filantrópica voltada à prote- ção à infância, organizaram o Fórum Sobre Jornalismo, Raça e Sociedade, um evento de três dias para deba- ter o futuro desse tipo de cobertura. Alguns jornalistas locais (inclusive eu) participaram do fórum, assim como escritores conhecidos nacionalmente, como Ta-Nehisi Coates, que emmaio de 2014 publicou o artigo devastador “The Case for Reparations” na revista Atlantic , emque identifica práticas de exploração e crueldade que vão dos linchamentos do século 19 aomercado do subprime do século 21. Em seu trabalho, o professor Ola- tunde Johnson, da faculdade de direito da Columbia University, estuda as “diretivas de igualdade” – os raros casos em que as leis e regu- lamentos americanos não só proíbem a discriminação como determinam medidas concretas para eliminar a segregação e as disparidades raciais. Em 2012, Nikole Hannah-Jones escreveu a série “Living Apart” para o ProPublica , em que examina uma dessas diretivas: a exigência de que o Departamento deHabitação eDesen- volvimento Urbano – e as entida- des que recebem financiamento dele – “promova a moradia digna”. Em outras palavras, que lute contra o legado da segregação habitacional. Hannah-Jones adotou uma aborda- gem racional para mostrar em deta- lhes a demora do departamento para recusar o financiamento das enti- dades que deixam de solucionar a segregação, examinando as práticas no condado deWestchester, emNova York. Para se manter em conformi- dade com o Departamento de Habi- tação e Desenvolvimento Urbano, as entidades devem apresentar relató- rios apontando quais são os maiores obstáculos à moradia digna. Esses relatórios têm muitas ideias para reportagens, assim como os proces- sos judiciais sobre diretivas de igual- dade têm muitos detalhes. Repercussão Menos de uma hora depois da trans- missão do primeiro episódio de “The Lines between Us”, o seguinte tweet apareceu no meu feed do Twitter: “Estou animada com a série. Mas o produtor é branco, será que as maté- rias vão fundo?”
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