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50 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2015 E, ao menos no caso de Melber, a formação jurídica pode ser uma van- tagemna hora de conseguir entrevis- tas comgente disputada. Umassessor parlamentar, que não quis ser iden- tificado, contou que políticos que- rem sentar para falar com repórteres que se concentremno tema empauta, não em intrigas políticas. Eric Hol- der, Rand Paul e Cory Booker foram ao programa deMelber por saber que ele costuma se ater ao tema que quer discutir. O apresentador promete não fazer perguntas sobre a disputa à pre- sidência em 2016, por exemplo. Para a sorte de Melber e de outros âncoras como ele na MSNBC, o público está respondendo a essa cobertura mais cerebral. “Uma das coisas que [ a apresentadora ] Rachel Maddow provou é que há, no notici- ário da TV a cabo, umgrande público para análises profundas, pondera- das”, afirma LawrenceO’Donnell. “[ A Rachel ] tem o maior índice de audi- ência daMSNBC, e ninguémvai mais fundo na análise do que ela.” Maddow pode até ser a rainha dos geeks, masMelber parece uma versão mais pura do gênero. Maddow, por exemplo, começa séria – mas volta e meia descamba para um gestual fre- nético e ataques virulentos. Melber parece mais um advogado tentando convencer um júri. Aqui e ali, deixa a emoção aflorar – mas em geral segue calmo e racional. Não que seja inca- paz de promover umdebate animado entre os convidados. Enquanto substi- tuíaoutroapresentador (ChrisHayes), justo quando Israel iniciou a invasão terrestre em Gaza, Melber convidou para o programa gente que represen- tava distintos pontos de vista – o pre- sidente da ONG J Street (pró-Israel), um jurista palestino-americano, um ex-embaixador dos Estados Unidos emMarrocos. Para os padrões do noti- ciário na TV a cabo americana, a dis- cussão foi comedida. Mas a conversa foi animada e informativa. Sob os holofotes Dos âncoras de TV que não fizeram jornalismo,Melber talvez seja umdos mais badalados – embora não esteja só. Além dos colegas de bancada, há Ronan Farrow (filho da atrizMia Far- row), que foi ativista daUnicef e asses- sor doDepartamento de Estado ame- ricano, e hoje tem um programa na MSNBC no qual aborda temas como o tráfico demulheres e possíveis solu- ções para o problema. Na FoxNews, a apresentadoraMegynKelly – que teve uma das ascensões mais rápidas dos últimos tempos – usa a experiência como advogada para promover uma agenda pró-gay, pró-mulher e (diriam alguns) pró-brancos. Essa aura de conhecimento clara- mente tem suas vantagens. Mas tem desvantagens também– e certas expe- riências não deram certo. A passa- gem do ex-governador de Nova York Eliot Spitzer pela CNN foi um fiasco. E a temporada de Chelsea Clinton na NBC não terminou exatamente com aplausos. A audiência de Farrow vem caindo. Segundo um texto na Salon de junho, o problema é que o apresen- tador destoa da fórmula tradicional do noticiário no cabo: “O idealismo que parecia genuíno no trabalho de militância [ de Farrow ] soa autoajuda em meio à selvageria sem pudor do noticiário no cabo”. Uma explicação mais fundamental é que inteligência e conhecimento nem sempre signifi- cam boa televisão. BetsyWest, especialista em radio- difusão na Graduate School of Jour- nalism da Columbia University, cita a ida do jornalista Chuck Todd para o programa Meet the Press como prova de que o público ainda quer gente com profundo conhecimento do assunto em pauta. “O Chuck Todd passa a sensação de alguémque respira polí- tica”, diz West. Seria possível dizer, ainda, que o caso de amor de executivos da TV a cabo comespecialistas temo efeito de minimizar a própria noção do que sig- nifica ser um jornalista. “Um repór- ter ou jornalista está embusca da ver- dade, onde quer que ela esteja”, con- tinua West. “E precisa ter cuidado para que seus contatos e relaciona- mentos não o impeçamde enxergar o que realmente está acontecendo.” Em outras palavras, a paixão que move Melber pode ser daquelas que levam um jornalista a fazer um mau traba- lho. Basta pegar o caso da jornalista da CBS Lara Logan e a reportagem sobre Benghazi; seu compromisso com militares e o desejo de acredi- tar em certas fontes impediram que enxergasse a importância de fazer perguntas essenciais. Do ponto de vista deMelber, o pro- blema não é a paixão. Tampouco é o jornalista tradicional. Há espaço para ambos, crê. O verdadeiro problema é a ladainha politicamente carregada e apresentadores de TVmais interessa- dos emdar manchetes do que emdis- secar políticas. É que a intriga ainda supera a substância na maioria dos programas da TV a cabo americana. Não obstante os índices de audiência deMelber, fica a dúvida se o público, umdia, vai deixar de prestigiar o tea- tro do noticiário do cabo. ■ alyson krueger é jornalista independente. Tem textos publicados no New York Times e no Washington Post , entre outras publicações. Texto originalmente publicado na edição de novembro/dezembro de 2014 da CJR.

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