RJESPM 12
62 janeiro | fevereiro | março 2015 A segunda pergunta émais compli- cada. A crítica mais comum é que, ao aceitar que corporações paguem por reportagens sobre temas do seu inte- resse, ainda que as redações se per- mitamrecusar qualquer coisa que soe publicidade, estaríamos criando um estímulo à “overcobertura” de temas com interesse econômico. No outro extremo, os jornais seriam estimula- dos a deixar de lado assuntos que nin- guém quer patrocinar, como sistema público de saúde, a vida dos miserá- veis, violência policial na periferia, falcatruas no governo e tantos outros. Assimcomohá hoje as “doenças negli- genciadas”, aquelas que não interes- sam à indústria farmacêutica porque não têmpotencial de trazer lucro, sur- giriam as “pautas negligenciadas”. Tal argumento desconsidera, porém, que o novo bolo de receitas obtido como jornalismo patrocinado serviria justamente para salvar tal cobertura de temas que ninguémquer patrocinar. É preciso levar em conta que oque se cobra deumpatrocinador por uma reportagem sobre um tema que valoriza sua marca é muito mais do que o custo bruto de fazer aquele material específico. Há um “superá- vit”, digamos, que os veículos podem realocar para reforçar sua produção tradicional, inclusive com a contra- tação de mais jornalistas investigati- vos. A inocente pauta da Dell sobre carreiras em empresas de tecnolo- gia, assim, poderia estar financiando manchetes sobre omais novo caso de corrupção em determinado ministé- rio ou estatal. Considerando-se que exista um núcleo de produção de conteúdo patrocinado separado do resto da redação, tal departamento, alta- mente superavitário, estaria na ver- dade financiando bom jornalismo político, econômico ou policial, por exemplo. E, como sabemos, bom jor- nalismo custa caro. Se os jornaismor- rerem por falta de dinheiro, ficare- mos sem nenhuma pauta, patroci- nada ou não. Muitos jornalistas, tal- vez em função de uma visão ideali- zada domundo e da profissão, tentam ignorar que jornais são empresas. Se o modelo de negócio naufraga, acaba a brincadeira. Senso comum Outra crítica comum é que a existên- cia de publicidade nativa minaria a credibilidade dos jornais, coisa que é, de fato, seu maior ativo. É batido dizer que confiança é algo que se demora para conquistar e que se perde rápido, mas a experiênciamos- tra que, neste caso, o senso comum não está errado. Nãome parece, porém, que a mera existênciadepatrocinadores assustará os leitores. Ao contrário demuitos de nós, jornalistas, nada indica que eles apresentem essa ojeriza ao mundo empresarial, como se logomarcas con- taminassem de maneira tóxica qual- quer lugar onde forem colocadas. O que de fato pode causar perda de cre- dibilidade é a impressão de que deter- minado jornal está fazendo promoção de determinada empresa por ela estar pagando. A experiência do New York Times , comomostrei, aponta ser pos- sível fazer publicidade nativa semque o tom seja de “pagou, levou”. Anda- -se sempre na corda bamba, porém – a tentação de curto prazo é ser mais flexível com as pautas, bombando o faturamento do trimestre, enquanto o interesse de longo prazo, obviamente, émanter a confiança do leitor na isen- ção do jornal. Dessa maneira, a recomenda- ção mais importante me parece ser esta: que qualquer veículo, antes de embarcarnapublicidadenativa, ponha no papel seus mandamentos para o modelo. Eles devem, depois, ser trata- dos comdevoção religiosa. Seria, basi- camente, uma listade “oque fazemos e oquenão fazemos”.Umexemplo: acei- tamos patrocínio para pautas selecio- nadas, sobre temas de relevância jor- nalística que, em função do interesse gerado, possam valorizar uma marca quevenhaa serexposta juntoaelas. (Os jornais já fazemissohábastante tempo, por exemplo, com cadernos especiais temáticos.) Não vamos, porém, fazer publicidade nem relações públicas: não aceitaremos pautas que objetivem meramente divulgar produtos, desta- car seus pontos positivos ou mostrar como são incríveis as ações sociais de uma empresa. Ninguém nega que as empresas gostariam – e gastam cada vezmais dinheiro embusca disso – de influenciar o noticiário a seu favor. Os jornais, porém, podem determinar as regras desse jogo. Ter transparência quanto a essa “doutrina” faz determi- nada publicação ganhar pontos tanto com o mercado publicitário quanto com os leitores. O que não podemos é, em tempos de crise do financiamento do jorna- lismo, deixar de discutir novas fontes potenciais de receita. ■ ricardo mioto é editor de ciência, saúde e equilíbrio do jornal Folha de S.Paulo . No Brasil, há muito tempo se publica material com aspecto jornalístico em páginas e até cadernos especiais sob o aviso “informe publicitário”
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