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72 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2015 à ocupação da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Oriental por Israel, em 1967, a população palestina pôde circular basicamente sem restrições por Israel e pelos territórios ocupa- dos. Na década de 1990, Israel impôs uma política de isolamento a Gaza. O primeiro passo foi revogar a auto- rização geral de saída dos palestinos durante a Guerra do Golfo em 1991. Na esteira, veio umelaborado sistema de permissões e documentos de iden- tidade. Em2007, o isolamento virou o que hoje é conhecido como bloqueio – um cerco absoluto que devastou a economia de Gaza. Até 2007, jornalistas israelenses e colegas estrangeiros podiam entrar e sair de Gaza quando bem entendes- sem. Mas, quando Israel proibiu a entrada de cidadãos israelenses no ter- ritório, a cobertura no local ficou nas mãos de jornalistas palestinos e cor- respondentes de outros países base- ados principalmente em Jerusalém. Poucos jornalistas estrangeiros vivem emGaza. O sequestro no território do repórter da BBC Alan Johnston por militantes palestinos em2007 (Johns- ton acabou liberado) expôs os riscos. Na manhã de 27 de dezembro de 2008, quando um bombardeio aéreo israelense atingiu cemalvos emques- tãodeminutos, havia sódois jornalistas estrangeirosdeumaemissorade língua inglesa na Faixa de Gaza: Mohyeldin e Sherine Tadros, ambos do canal em inglês da Al Jazeera. Durante as três semanas que durou a guerra, as forças armadas de Israel impediramo acesso da mídia internacional. O Egito tam- bém barrou a entrada por sua única fronteira com Gaza. Emcomparação, segundo aSecreta- ria deComunicação Social do governo de Israel, 705 jornalistas estrangeiros de pelomenos 42 países foramenvia- dos a Israel durante a guerra do ano passado. Não se sabe ao certo quan- tos deles foram para Gaza. O resul- tado da presença de tantos jornalistas foi que imagens e relatos surgidos do confronto não só foram mais nume- rosos desta vez, masmenos abstratos. Em2008-2009, fotos de vítimas divul- gadas por agências não identificavam ninguém. “A Reuters e a Associated Press mostravam fotos de crianças mortas, mas não se sabia nada sobre elas”, esclarece Tadros. Tormento retratado A cobertura internacional do conflito deu uma guinada no dia 16 de julho, quando Hicks e vários outros jorna- listas, tanto palestinos como estran- geiros, testemunharam o assassinato dos quatro garotos. A foto capturou o tormento de Gaza. Com ela, também foi possível notar como o território é pequeno–do tamanhoda capital ame- ricana, Washington – e como a vio- lência e suas consequências eramum dado constante e muito pessoal para os jornalistas que cobriam o conflito. Naquele mesmo dia, Mohyel- din tinha batido bola durante um tempo com um punhado de crian- ças – incluindo os quatro primos. Ao narrar o fato, fez questão de identi- ficar os garotos: Ahed Atef Bakr, 10 anos, Zakaria Ahed Bakr, 10, Moha- med Ramez Bakr, 11, e Ismael Moha- med Bakr, 9. A foto deHicks saiuna capa do New York Times do dia seguinte. Era raro o jornal mostrar corpos sem vida – sobretudo de crianças – na primeira página. A imagem sublinhava o cres- centenúmerodebaixas entre civis dei- xadopeloataque israelense. “Foi quase umcolapso imediatoda narrativa isra- elenseapós [ essa foto ]”, dizNoamShei- zaf, jornalista israelense radicado em Tel Aviv e editor da revistadigital +972 . Havia um descompasso entre as ima- gens que surgiam de Gaza e de Israel. Emborahouvessemuitas fotos de isra- elenses fugindode foguetes palestinos, “nãohavia vídeos de gente carregando criançasmortas, buscando famílias em casas destruídas”, diz. “Simplesmente não havia.” “Cada vez que volto [ aGaza ], émais difícildigerir”,dizHicks.“Nesseúltimo conflito, emparticular, fui ficandomais revoltado com o número de crianças mortas. Fui amuitos enterros de crian- ças pequenas, de bebês.” Esse contato íntimo com a morte, com o sofrimento de famílias, foi a parte mais dura do trabalho jornalís- tico em Gaza desta vez. Sharif Abdel Kouddous, da DemocracyNow , lembra do dia emque viu duas crianças mor- tas, uma menina e ummenino, sobre uma mesa de metal no necrotério do Hospital Shifa, em Gaza. A menina sofrera sérias queimaduras, estava sem parte da cabeça; o menino per- dera umbraço. Reunidos emvolta das crianças, parentes tentavam identifi- car omenino. “Diziam: ‘É oHamada? Ou é o Khalil?’. Não tinham como saber”, detalha Kouddous. “É nesses momentos que você se sente impotente como repórter”, completa. Durante os 50 dias da investida, Gaza também foi umdos lugaresmais perigosos do planeta para um jorna- lista. Segundo o Comitê para a Prote- ção dos Jornalistas, sete jornalistas e profissionais da imprensa forammor- tos enquanto trabalhavam. No dia 9 de julho, ummotorista da agênciaMedia 24, de Gaza, morreu quando o carro, estacionado e identificado com um “TV” no capô, foi atingido durante umbombardeio aéreo israelense. Em 13 de agosto, a explosão de ummíssil israelense abandonadomatou o cine- grafista da AP Simone Camilli e o tra- dutor freelance Ali Abu Afash. Dos jornalistas e colegas de imprensamor- tos, o único estrangeiro era Camilli. Os outros seis eram palestinos. EmGaza –mais uma vez, por se tra- tar de umcampo de batalha estreito –,
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