RJESPM 12
revista de jornalismo ESPM | cJR 75 lahaye, 2001); noutra, é o cogu- melo gerado pela explosão da bomba atômica em Hiroshima (em 1945; a uma milha do epi- centro, o autor, o jovem solda- do Toshio Fukada, foi salvo por uma colina). À medida que as fotos se dis- tanciam no tempo de seu fato gerador, vão se tornando mais cerebrais, por assim dizer. A relação com os momentos his- tóricos que retratam se torna mais sutil, precisam de legen- das mais longas. Tornam-se en- saios fotográficos. É o caso dos conjuntos sobre a vida atual dos judeus ucranianos sobreviven- tes do nazismo (Stephen Sho- re, 2012-13); os objetos e os des- cendentes de um criminoso de guerra nazista (Taryn Simon, 2011); ou a série que mostra o céu atual da cidade Hiroshi- ma em diferentes dias no mo- mento exato em que a bomba caiu, em 1945 (Nobuyoshi Araki, 2010). São sofisticadas elabora- ções intelectuais que revelam a permanência das ondas de cho- que deixadas por conflitos mui- tos anos antes. A exposição gerou muitos textos, e outros tantos provavel- mente serão publicados no fu- turo. Deve também influenciar Conflict – Time – Photography Simon Baker Tate Publishing, 2014 224 páginas The First Casualty Phillip Knightley 608 páginas Onde encontrar: em kindle na Amazon.com (noBrasil) APrimeiraVítima Nova Fronteira, 1978 562 páginas Onde encontrar: em livrarias de usados (como estantevirtual.com.br ) Slaughterhouse-Five Kurt Vonnegut Ed. Dell, 1991 215 páginas (noBrasil) Matadouro 5 L&PM Pocket, 2005 224 páginas de sua materialidade (o tempo de sensibilização da chapa ou da revelação), nemmesmo do tem- po de suas ampliações, se anti- gas ou recentes. O paradigma é outro, tão no- vo e dominante que o especta- dor é convidado a desprezar aspectos normalmente cru- ciais das fotos: seu conteúdo (tema ou objeto) ou materiali- dade (cor, p/b, digital, filme ou outros elementos materiais). O que está em questão é quanto tempo separa o instante em que o fotograma foi feito e o conflito que o motiva. Assim, em “Momentos De- pois” estão juntas a foto colo- rida de um blindado america- no no Iraque logo após explodir em um atentado (Luc Delahaye, 2006) e a imagem em preto e branco do rosto, congelado de medo, de um soldado americano sob ataque vietcongue duran- te a Ofensiva do Tet, no Vietnã (Don McCullin, 1968). Não deixa de haver coinci- dências: as duas primeiras ima- gens da exposição são de fuma- ça causada por explosões ocor- ridas instantes antes. Numa, ela é consequência de um ataque aéreo americano a uma base do Talibã, no Afeganistão (Luc De- TOSHIO FUKADA / REPRODUÇÃO DON MCCULLIN / REPRODUÇÃO REPRODUÇÃO a organização de outras mos- tras de fotografia. Mas, desde já, é possível dar razão ao cura- dor ao destacar que a fotogra- fia, mesmo quando se volta para uma guerra ocorrida décadas ou até cem anos antes (qualquer que seja o momento desse “an- tes”), revela a intensidade pre- sente do passado. Exatamente como Kurt Von- negut, que 20 anos após o con- flito escreveu um livro ( Slau- ghterhouse-Five , no Brasil tra- duzido como Matadouro 5 ) pa- ra tentar se libertar das ima- gens e passar a se sentir livre para escrever sobre outros te- mas. Apesar de ter completado o livro, Vonnegut seguiu marca- do pelo trauma: até o fim da vi- da, terminava seus escritos com a palavra “Paz”. Mesmo olhan- do as fotos feitas agora em lu- gares das guerras mais antigas, o que se vê é que as imagens e as lembranças não conseguem nos deixar em paz. Embora não haja menção na exposição, é ao mesmo tempo irônico e trágico que 160 anos depois estejam ocorrendo no- vas batalhas no local exato da- quele primeiro conflito cober- to pela fotografia de guerra, a Crimeia. Novamente, a região é palco do enfrentamento entre russos e o que creem ser agen- tes do invasor europeu (ago- ra representado pelos vizinhos ucranianos). Não é só estética ou imagética a persistência das guerras. Elas também insistem em acontecer muitas vezes nos mesmos lugares. ■ Imagens da fumaça em Hiroshima, do fuzileiro petrificado no Vietnã e do capacete com osso fundido pela bomba atômica estão na mostra
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx