RJESPM 14.indb
14 julho | agosto | setembro 2015 resguardar seus segredos e escân- dalos. Afinal, são sócios. E nenhum deles quer sacudir o barco, denun- ciando ou criticando a má conduta dos parceiros. Como escrevi em Sports for Sale , a televisão virou algo tão dominante que estádios e arenas hoje parecem um estúdio, com gigantescas telas de vídeo, áudio imersivo e outros efei- tos especiais pensados para repro- duzir a experiência de um telespec- tador em casa (houve um tempo em que se achava que o esporte televi- sionado iria “levar o espectador ao estádio”, mas foi o contrário: pode- se dizer que a maioria dos estádios hoje foi projetada para “levar o espec- tador a seu aparelho de televisão”). A internet é uma faca de dois gumes para o jornalismo esportivo. Graças à velocidade incomparável e à distribuição mundial, nunca na história houve tanto conteúdo espor- tivo à mão do público. Além disso, a internet incentiva o amador a publi- car, algo que muita gente louca por esportes faz; segundo estimativas, há hoje mais de 800 mil sites de esportes semioficiais e milhões de blogs esportivos. Essa propagação da informação e da opinião na arena esportiva, sobretudo de conteúdo gerado por usuários – não importa se nos Estados Unidos, no Brasil, na China ou nas Ilhas Cayman –, abafa boa parte do material esme- radamente produzido por jornalis- tas profissionais. A notícia deixa rastros Há, entretanto, boas notícias para organizações jornalísticas dispostas a produzir um conteúdo de fôlego. Uma boa apuração exige várias coi- sas: tempo, fontes confiáveis, acesso a documentos originais e análise de dados, entre outras. As lorotas conta- das por Lance Armstrong, por Blatter e pormuitos outros só foramexpostas porque documentos haviamuito ocul- tos foram achados numa peneira em bancos de dados, revelando um ras- tro de fontes. A informação pôde ser ratificada, comparada e testada, tudo sema cooperação dos principais alvos dessas investigações. A pergunta é se veículos e editores, e seus anuncian- tes e patrocinadores, irão apoiar um novomodelo de jornalismo esportivo. Quando pensa como um fã do esporte, o jornalista esportivo está fadado ao fracasso, pois essa pos- tura não o distingue daquilo que já existe na televisão e no conteúdo que o próprio público produz. Já quando pensa e age mais como os colegas habituados a cobrir economia, polí- tica e crime, seu trabalho terá valor e impacto maiores. O esporte profis- sional é, afinal, uma profissão, e como tal devia ser coberto por jornalistas. Não é mais um jogo. ■ david klatell é responsável pela área de estudos internacionais da Columbia Journalism School. Auxiliou no desenvolvimento de emissoras de televisão e agências de notícias em Portugal, Suécia, Suíça e China. Quanto mais aparece na TV, mais popularidade tem o esporte. Isso gera mais receita, mas inibe a abordagem crítica
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