RJESPM 14.indb
revista de jornalismo ESPM | cJR 21 dade do conteúdo dos programas. Já o segundo endereça outro traço identitá- rio do canal, que é a produção de con- teúdo de interesse público que resulta da atuação, do diálogo, em redes cola- borativas presenciais e virtuais. Orela- cionamento com essas redes, sejam elas movimentos sociais, universida- des ou parceiros mantenedores, con- figura-se como ambientes de comu- nicação mais horizontais, com baixa hierarquização e grande diversidade de expressões (linguísticas, territo- riais, de gênero, de opiniões). Nos últimos anos, esse trabalho, de forte acento digital, de articular, man- ter e cultivar a interlocução comdife- rentes segmentos sociais para a pro- dução e seleção de conteúdos exigiu o desenvolvimento de ferramentas e de metodologias para a discussão, o recebimento dosmateriais, a finaliza- ção, além do mais difícil, a mediação e a curadoria de tantas contribuições em texto, imagem e foto, produzidas por terceiros. Desde o início estava claro que o investimento na qualidade da equipe deveria ser permanente, acompanhado e avaliado por consultores de grande experiência e reputação. Também já sabíamos que deveríamos ser incan- sáveis para buscar novos processos produtivos que fossem capazes de abrigar tamanha diversidade de fon- tes. Todo esse esforço de trabalhar em produtos editoriais a partir de dife- rentes redes recebeu desde o início o estímulo e parte do financiamento da Fundação Ford, que enxergou no projeto jornalístico do Futura uma semente para inspirar o jornalismo nos tempos de ruptura. A principal novidade apontada por Bucci numa reflexão sobre o Futura é que “nós estamos falando aqui de uma divisão ou de um compartilhamento da condição discursiva do emissor. Esse modo de compartilhar a condi- ção de emissor compartilha o micro- fone. E o impressionante é que isso cabe num projeto único, com uma marca identitária fortíssima. O abrir mão do monopólio sobre o discurso não descaracteriza a identidade do projeto do Futura”. Relevância para a sociedade Periodicamente a realidade desafia a resiliência dos meios de comunicação, exigindo mudanças, ajustes, reinven- ções. Foi assim com o rádio e com o surgimento da televisão. E nessa pers- pectiva não há por que não acreditar que tanto empresas privadas como as públicas saberãoencontrar seu lugarno horizonte da prática jornalística, reno- vando nas tecnologias, nas narrativas, nosmodosdegerir,produziredistribuir. Pode estar nasmãos de quemquer que seja, dequalquer lugar, aqualquerhora. Mas não pode perder de vista o prin- cipal: sua relevância para a sociedade. Como lembrou recentemente o âncora lendário da TV americana Dan Rather no evento mais bada- lado pelas tribos digitais, o SXSW (o South by Southwest), em Austin, no Texas, toda notícia é conteúdo mas nem todo conteúdo é notícia. “O con- teúdo não é necessariamente notícia e é fácil esquecer isso quando ouvi- mos como estão se desenvolvendo os gadgets . Há uma tendência de consi- derar notícia qualquer coisa no Twit- ter , no Facebook, e isso é perigoso para o jornalismo. É bom enfatizar: nem todos esses sistemas de notícias têm notícias neles.” E para lembrar o que é notícia na visão de Rather: “Notícia é tudo que as pessoas preci- sam saber e que alguémno poder não quer que elas saibam”. Para o jorna- lista, ao contrário do que se vê na ten- dência de misturar entretenimento com informação, não cabe no jorna- lismo muita leveza. “Se você precisa ser leve no seu jornalismo, você deve- ria comprar um cachorro.” Se é ou não da natureza do jorna- lismo abraçar-se com a diversão, com a leveza, já é outra discussão, tão com- plexa quanto o que será do futuro do jornalismo. ■ lúcia araújo é jornalista e diretora do Canal Futura. Periodicamente, a realidade desafia a resiliência dos meios de comunicação, exigindo mudanças, ajustes e reinvenções
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