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26 julho | agosto | setembro 2015 o escritor uruguaio eduardo galeano morreu de cân- cer no dia 13 de abril, aos 74 anos. Embora mais famoso por obras sobre o passado colonial da América Latina, Galeano também escreveu Futebol ao Sol e à Sombra (L&PM, 2004), uma verdadeira joia da literatura espor- tiva. Lançado em 1998, o livro traça a história do futebol como esporte e, mais ainda, como indústria. E lida com contradições inerentes à paixão pelo esporte: o fato de que um espetáculo fabricado consiga despertar realida- des emocionais profundas e que um jogo cronometrado possa se eternizar no tempo. O livro, uma coletânea de vinhetas concisas povoadas de arquétipos e ilustradas com silhuetas em nanquim de jogadores de futebol, não é a típica obra de esportes. O que não significa que Galeano não tenha muito a ensinar ao moderno jornalismo esportivo. A seguir, quatro lições extraídas de seu rico legado. 1) Uma epopeia esportiva não precisa ser longa Galeano compôs vinhetas breves cujo efeito é o de uma narrativa longa num texto curto, se é que dá para enten- der – a fusão de uma história específica com um sentido maior de significação histórica. No capítulo intitulado “O jogador”, por exemplo, a meia dúzia de curtos parágrafos começa comuma cena de ação clássica: “Corre, ofegando, pela lateral. De um lado o esperam os céus da glória; do outro, os abismos da ruína”. Isso dito, Galeano rapidamente desloca a perspectiva para fora do campo, transformando a ação num retrato do personagem: “O bairro tem inveja dele – o jogador profissional salvou-se da fábrica ou do escritório, tem quem pague para que se divirta, ganhou na loteria. (...) Mas ele, que tinha começado jogando pelo prazer de jogar, nas ruas de terra dos subúrbios, agora joga nos estádios pelo dever de trabalhar e tem a obrigação de ganhar ou ganhar”. E, então, Galeano amplia ainda mais a mirada, perscrutando a indústria do esporte pela ótica desse arquétipo: “Os empresários podem comprá-lo, ven- dê-lo, emprestá-lo”. Essas fintas rápidas mostram como o texto espor- tivo não precisa do enchimento da retórica para tra- tar de coisas transcendentes. É um salutar desmentido às legiões de jornalistas que creem que o único jeito de tratar a fundo de um assunto no esporte é escrevendo aos borbotões. É claro que textos longos podem ser extraordinários – as publicações Grantland e SB Nation Longform são exemplos do formato que acrescentaram muito ao jornalismo esportivo na última década. Mas, volta e meia, confunde-se tamanho com conteúdo. Como mostra Galeano, o jornalista esportivo devia considerar Uma janela para o ofício de escrever Quatro coisas que a cobertura esportiva devia aprender com Eduardo Galeano por anna clark
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