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revista de jornalismo ESPM | cJR 27 toda via narrativa a seu dispor antes de optar automati- camente por um tratado de 4.000 palavras. 2) Não é preciso escolher entre ceticismo e idealismo A cobertura ingênua, que apela para narrativas fáceis e açucaradas desprovidas de qualquer contato sério com o contexto social do esporte, é cansativa. O pendor por esse caminho pode até ser perigoso, jornalisticamente falando, pois levaria o repórter a publicar histórias que se provam falsas ou a ignorar fatos indesejáveis sobre um jogador, um time, uma federação. Mas o antídoto desse vício não é o ceticismo – acreditar que a coisa toda é abjeta, que no esporte é tudo corrupção e exploração e que, explícita ou implicitamente, todo fã é louco ou, pior, cúmplice. Essa abordagem também distorce a realidade. Idealismo e ceticismo não são as únicas opções do jor- nalista esportivo. Assim como Galeano, o repórter pode expor as mazelas do esporte com lucidez e rigor e delei- tar-se coma extraordinária beleza de um jogo bem jogado. “E, quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – semme importar com o clube ou o país que o oferece”, escreve Galeano ao final da “Confissão do autor”, sua introdução ao livro. E, já na página seguinte, a primeira frase emenda: “A história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever. Aomesmo tempo que o esporte se tor- nou indústria, foi desterrando a beleza que nasce da ale- gria de jogar só pelo prazer de jogar”. É uma prosa que desarma e vai ao âmago dissonante do esporte e do papel que ele exerce em nossa cultura. “Em que o futebol se parece comDeus? Na devoção que desperta em muitos crentes e na desconfiança que des- perta em muitos intelectuais”, escreve Galeano. Curio- samente, uma das melhores mostras desse estilo de jor- nalismo esportivo vemnão de um repórter tradicional da área, mas de John Oliver, o apresentador do Last Week Tonight , na HBO. Sua digressão sobre a Fifa durante a última Copa doMundo também se negou a escolher entre ceticismo e idealismo – e a reportagem resultante já foi vista quase 10 milhões de vezes no YouTube. 3) Seja transparente sobre a própria ignorância Sobretudona cobertura esportiva feitapor doutores dabola, há, entrecomentaristas, uma tendênciaadiscorrer sobrecoi- sas que ignoram. Conjecturas sobre o resultadode uma par- tidaoua lesãodeumjogador sãoapresentadascomoverdade. “Ofatoéo seguinte”, dizem, quandoo “fato” édesconhecido de todos, incluindo aí o jornalista. Como mostra Galeano, especular por especular pode ser admirável; não só é mais Mauricio Planel

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