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42 Julho | agosto | setembro 2015 quando um homem sentado à frente delas ergueu os olhos de um exem- plar do New York Times , checou de novo o jornal e, na esteira, voltou a fitar a família. “Reportagem espeta- cular”, disse o estranho à mãe, Cha- nel, que confirmara que de fato a famí- lia era aquela retratada em “Invisi- ble Child” (“Criança invisível”, em tradução livre), o especial que o jor- nal publicara sobre crianças sem teto. Pouco antes de descer do trem, o homemabriu a carteira e deu à família uma nota de 100 dólares. “Aceita, vai. E feliz Natal. Faça algo legal com as crianças hoje”, disse ele àmãe. Dasani ficou louca de tão feliz, conta Chanel. A jornalista que fez a reportagem, Andrea Elliott, diz que jamais imagi- nou que o especial provocaria reações como aquela. Sua caixa de e-mails tra- vou de tantas mensagens. Leitores mandavam envelopes com dinheiro para Dasani e a família, ofereciam passeios à Disney. A onda de apoio e doações se estendeu à escola onde a menina estudava e ao albergue no Brooklyn onde viviam. A força da reportagem “Invisible Child” é um exemplo do poder da narrativa. É, também, um exemplo daquilo que motiva muito jornalista, do que acreditamos ser possível alcançar com uma narrativa: estender a empatia como indivíduo ao grupo inteiro, para corrigir injustiças e inspirar mudanças. Ou, ao menos, conscientizar. Emgeral, esse potencial é realizado por textos de revista com foco narra- tivo e recursos de reportagemque per- mitemodesenvolvimentodopersona- gem, como sugere umestudo de 2012 ( The Effect of Narrative News Format on Empathy for Stigmatized Groups Groups –OEfeito daNarrativa Jorna- lística na Empatia por Grupos Estig- matizados , em tradução livre) no qual pesquisadores estudaram, como diz o título, o efeito da narrativa jorna- lística na empatia com grupos estig- matizados. No estudo, 399 voluntá- rios tiveramde ler uma versão no for- mato de narrativa, ou não, de uma mesma notícia. Uma reportagemcontava o caso de um imigrante ilegal, AlejandroMarti- nez, gerente de seção de uma fábrica de roupas que teve dois dedos ampu- tados numacidente de trabalho. Mar- tinez não teria perdido os dedos se pudesse pagar um plano de saúde e tivesse recebido um atendimento médico adequado. Na versão narra- tiva, o leitor ouve a história da boca de Martinez e da mulher; é apresentado aos dois filhos do casal e se inteira de detalhes sobre a vida do imigrante antes e depois do acidente. A versão não narrativa conta o caso, mas não traz aspas deMartinez, não descreve cenas, não dá detalhes pessoais. O estudo evidenciou que quem leu a versão narrativa teve mais empatia e sentiu mais compaixão por Marti- nez, sentimentos que se estenderam a imigrantes ilegais como um todo. De modo geral, a atitude e a opinião dos leitores da versão narrativa sofre- ram uma mudança positiva. O grupo ficoumais interessado embuscarmais informações sobre as condições de vida de imigrantes em situação irre- gular, ou até em agir para ajudar. Para explicar esse efeito da narra- tiva, acadêmicos recorrem à teoria do “transporte narrativo”. Ainda que desconheça o termo, o leitor conhece a sensação: “Foi um dos textos mais comoventes que já li. Quando aChanel [mãedeDasani] juntouasmãos emora- ção no apartamento que a família con- seguiu noHarlem, queria estar lá para poder comemorar com ela e as crian- ças”, escreveuNathaniel, deNewJer- sey, na seção de comentários da série “Invisible Child” na página do jornal. Isso é o transporte narrativo. É envolver-se de tal modo com a histó- ria narrada que é como se você habi- tasse aquele mesmo espaço e tempo, e sentir um elo tão forte com os per- sonagens que sua alegria ou tristeza produzemuma reação física emvocê. É um fenômeno que encontra paralelo em algo que Ickes apresen- tou com seu estranho experimento. Descobertas científicas sugerem que quando lemos umtexto e conhecemos seus personagens, o cérebro processa nosso entendimento desses outros desconhecidos da mesma forma que entendemos umoutro de carne e osso. Quantomais transportada se sentir, maior a probabilidade de que a pessoa mude suas opiniões e crenças sobre o mundo real, sustentam os psicólogos Melanie C. Green e Timothy C. Brock

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